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Mostrando postagens de fevereiro, 2018

O Soldado

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Chega a hora de fazer aquilo que amo, aquilo para que nasci, para onde a alma aponta... e sou tomada de um pavor terrível, um desânimo sobrenatural, um ódio que brota das vísceras. Simplesmente não quero, não vou, não mereço ser obrigada a fazer aquilo que amo. Inclusive, preciso sair imediatamente do lugar onde possivelmente faria aquilo que amo como se fosse um matadouro. Evito com todas as minhas forças encontrar pessoas que possam significar um mínimo elo com aquilo que amo. Aliás, odeio também estas pessoas que carregam na fuça o mapa do meu paraíso. Bem escondida atrás do ódio que tenho desta gente sem lastro no sofrimento... Quem? Ela, minha invejinha incapaz de mergulhos. Invejinha que fica olhando da praia e inventando tubarões. Não nada, a infeliz. Não. Nada. Uma hora esqueceu o maiô, noutra a água está fria, daqui a pouco o sol foi embora, e ela lá odiando o mar e suas  insensíveis ondas que teimam em ir e vir enquanto ela segue paralisada. Chega a hora de urrar de prazer

Escrito no Céu para Nany

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Com a amiga aprendi o poder do bicho solto. Eu, contumaz encarceradora de bichos internos, sempre gravitei em torno dela com admiração. Os bichos da amiga, os mais feios, sempre tinham convite para o baile. Enquanto eu os mantinha encarcerados no porão em nome de um baile asséptico. Ela não:  a inveja e suas olheiras fundas podia bailar trôpega com a raiva no meio do salão. Com a amiga entendi que os bichos são menos agressivos na luz. E que prendê-los não impede que atuem sobre o  outro e o mundo. Com ela aprendi a olhar para o vestido puído da minha vergonha remendado de humilhação e deixá-la falar. Minha vergonha não só pôde entrar no baile mas desabafou longamente com a vergonha da amiga sua inapropriação eterna. Os bichos soltos, assumidos, as jaulas abertas, tornaram o meu porão mais arejado e minha caminhada mais leve. De vez em quando ainda acho um orgulho, uma inveja profunda, uma insegurança monstruosa trancados por lá nalguma salinha escura. Ligo pra amiga e corremos para

Gritando na Porta

Quem não consegue ficar só não deixa o outro em paz: esmurra a porta fechada, coloca calço pra ela não fechar, e, se fecha, grita do lado de fora... Pessoas em quem a solidão dói estorvam a solidão necessária do outro, usam o outro como distração eterna da própria dor. Travestem esta dor de amor e justificam no amor travestido toda forma de invasão e agressividade. Ainda carrego momentos de solidão dolorosa e ainda me pego gritando distraída de mim diante de portas fechadas. Injetando mais uma dose de cocaína na veia para alienar-me. O outro que chamo de amado é, em verdade, minha droga. Hoje joguei o pó fora, quebrei a agulha e estou só com minha angústia. Libertei o outro do meu desamor. Mandei a mente calar a boca, desligar o projetor onde o filme do outro se repetia em looping doentio. Atrás da tela, na dor da abstinência da droga, ele: meu eu feio, humilhado, abandonado, maltratado, cuspido. Ser impróprio que aprendi a odiar. O mar da angústia sobe até minha garganta num enjoo. N

Porta Aberta

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A segurança está no aberto, a porta aberta para que o amor saia se quiser e o diferente entre se for hora. Está em ouvir o que eu não quero.  Quando estou aberta ao que não encaixa, os desencaixes não me desestruturam. Este o poder natural do ser, não ameaçável. Poder com “p” minúsculo, médio, maiúsculo, tanto faz. Poder deixar a areia firme da praia e brincar nas ondas do imponderável. O redondo não ameaça a existência do pontiagudo. Sua crença não ameaça a minha. A paz está no livre e não no cadeado, naquilo que vem até você e não no que você prende. Tudo é fluxo, nada de fato é seu. Talvez só o momento seja seu. Este que você não vive, obcecado pelos pensamentos de ter ou de perder. Espaços coletivos, onde todos têm a chave, são cuidados por todos. Programas abertos na internet são cuidados por todos. O cadeado simboliza a exclusão e atrai o ladrão. O cadeado evolui para o cão bravo que evolui para o muro alto que evolui para o vigia da rua que evolui para o alarme que evolui par

Ilusão

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Isso que você chama de realidade, fato, verdade, isso a que você se apega, este piso, estas paredes, este corpo, este medo... isto eu chamarei de ilusão. Já o velho Platão nos deu a chave. Isso tudo é criação sua. Principalmente o medo que você coloca em todas as coisas como um perfume. Porque você, alienado da vida na Matrix, vive criando gaiolas na mente para morar dentro. Pensa o limite e ele se materializa. Pensa o final infeliz e vive para evitá-lo e vive infeliz. Esta infelicidade não é maldade do universo, é criação sua. E gente infeliz, meu Deus, não faz gente feliz. Então me escuta. Isso que você chama de limite, esta cinta apertada cortando a carne, esta dor na qual você se apega e chama de realidade... isto eu chamarei de ilusão. Pode gritar, espernear, apontar culpados na multidão. O universo não tem nada a ver com isso. São escolhas suas. Você aperta este cinto todas as manhãs e busca o furo intolerável. E escolhe ser arauto da dor. E escolhe espalhar a dor porque ela,