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Mostrando postagens de julho, 2023

Atropelada

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Hoje, no parque, fui atropelada por uma borboleta. Caminhava perdida em meus dramas diários de sobrevivente num planeta áspero quando ela veio louca e se atirou quase dentro dos meus olhos. Tomei um susto de beleza, harmonia e cores e fui arrancada daquela ruminação amarga e inútil. Ela, a borboleta, rodou em volta da minha cabeça como se quisesse garantir que eu havia recebido a mensagem. Como se alguém, lá na dimensão desconhecida que chamamos céu, a manejasse com um joystick. Rodou, rodou, passou umas três vezes diante do meu rosto e apenas quando ri de mim mesma, se foi. Posso destruir toda sua poesia e chamá-la de acaso, posso aniquilar seu poder de abrir um rasgo na realidade ilusória, posso espantá-la com a mão como se fosse apenas um inseto estúpido e atarantado. Mas não posso. Estou lá jogada no chão, atropelada, com as certezas fraturadas, sangrando arcos-íris, com as retinas vidradas num céu que eu nem tinha visto tão azul. * * *

Ser o que respira

Primeiro é preciso estar vivo Estar presente Não se voa sem um ponto de apoio Primeiro é preciso estar aqui Saber onde é aqui Perder o susto Sentar no agora Porque, senão, não tem depois Senão, quando o depois é sempre Só tem angústia Primeiro é vital ser o que respira E mais nada Estar ancorado no corpo Com as mãos sobrepostas Saber-se calor Saber-se vivo Não uma máquina de ir Não um poço de dever Um ser, apenas um ser Primeiro é preciso entender Que algo sempre permanece Que algo segue Mesmo no desespero Alguém está ali Sereno como uma rocha Ainda que falte muitas vezes Tempo pra percebê-lo Ele sabe o destino Então resiste no instante E não avança  Não dá um passo Se for arrastando a alma no asfalto.