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Mostrando postagens de abril, 2015

Um beija-flor na varanda

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Meu coração não tem porta. Não é casa. É ponte. Não segura, não expulsa. Meu coração é passagem. Músculo cordial predisposto a amar os passantes. Não se apega: aprendeu a delícia das visitas... Este texto agora pode ser lido na íntegra no novo livro da Senhorita Safo.  Disponível a partir de 12/03/2016 no site das melhores livrarias.

A amaldiçoada

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Gustave Doré Sem um pingo de hesitação ela escolheu, entre milhões de machos no descampado, aquele que iria para sempre apontar-lhe as feiuras. Um tipo desvalorizante, avarento de elogios. Princesa amaldiçoada estava, sem saber, cumprindo os desígnios de uma fada má que não haviam convidado para o seu batizado. O macho dela havia de ser assim: pequenininho. E a segurança dele dependeria de que ela nunca, em hipótese nenhuma, se enfiasse num salto. Não vamos nos precipitar em concluir que ele era mal. Não era. Ele era o escolhido, garimpado, esculpido no inconsciente, o eleito capaz de executar à exaustão a complexa tarefa de apequená-la. Porque ela pelejaria por ser aceita, reconhecida e amada. Estava tudo escrito. Desdobrar-se-ia em tarefas domésticas, trabalhos free lancers, cuidaria dos filhos, sempre no limite da exaustão e, à noite, esperaria seu tapinha nas costas, sua sardinha. Mas tudo que ouviria, semimorta e pálida, derrubada sobre o travesseiro frio, seria algum comentá

O Imperdoável

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Sou de uma geração em que o pai era mais cheio de sombras. Carregamos este pai nos ombros. Nos escombros. Criatura quase sempre invisível que pesa como o diabo. Egocentrado no seu prazer, no seu sossego. Avesso do rei dos contos de fada. Menino grande. A muitos de nós ele legou esta peleja com o masculino. Esta escola do perdão que não queremos frequentar. Pai amado e escorregadio, imune à nossa carência infantil. O cara que estava quase sempre fora. O cara que se foi. O cara que nunca veio. O pai ausente que estava lá. Sou de uma geração que precisa passar o pai a limpo, antes que seja tarde. Integrá-lo ao luminoso e recriá-lo para a próxima geração. Não é fácil. Andamos arrastando o pai não resolvido nas nossas relações amorosas, tentando decifrá-lo no espelho do outro, tentando amá-lo ou fazê-lo pagar. Nada resulta. O pai ensaboado escapa de novo entre as mãozinhas eternas de criança e foge para seu escuro particular. A mãe não faria isso. A mãe se entregaria aberta e inteira e a