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Mostrando postagens de abril, 2012

O Ogro

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Ciruelo Cabral Acabo de sonhar com um homem feio e gordo e barbudo que nu, deitado em minha cama, abria os braços para mim. Um ogro que me queria, me olhava com olhos pedintes, e me fazia estranhamente compadecida. Acariciei de leve o homem e cogitei me entregar a ele num gesto de piedade. Mas o ogro feio e repulsivo queria ser amado e tinha estes olhos que imploravam amor boiando numa impensável doçura. Como amá-lo não podia, afastei-me dele cuidadosamente como quem abandona um cachorro na rua e dei-lhe as costas pesadas de dor. O gordo feio e suado baixou a cabeça, os olhos tristes, foi mergulhando em seu lar escuro e eu corri para a luz determinada a acordar. Acabo de acordar e te digo que, desgraçadamente, de nada me serviu. O gordo feio continua aqui pesando sobre meu corpo com sua desproporção incômoda e sua carência desconfortável. Posso senti-lo ao meu lado na cama vazia fazendo um vinco fundo no colchão para dentro do qual escorrego. É minha sombra obesa sacrificada ao si

Com a Macaca

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Quem tá rindo é porque não entendeu nada. Vi outro dia numa faixa. É. Tá difícil rir e  pensar ao mesmo tempo.  Não estamos nos divertindo. Vamos levando. Falo de nós: a maioria.  Em matéria de discursos a sociedade nunca foi tão generosa, na real é o lixo.  A lógica é simples: quem pode mais come o outro, e esta frase pode ser interpretada em vários sentidos. Quem pode menos, favor procurar o incinerador mais próximo. No discurso a gente inclui todo mundo: cadeirante, cego, surdo, pobre, velho. É lindo. Mas na real o cara é o transtorno da performance.  E a performance é a alma do sistema.  E digamos que o sistema não foi assim uma puta invenção. Digamos, de uma forma bem simplória, que reeditamos os esquemas da selva primitiva botando grana no lugar dos músculos.  Tudo bem você não ser o macaco mais musculoso desde que você tenha alguns Porshes e Ferraris, um barco gigantesco que você não usa e alguns quadros do Monet, ou Manet, pra você tanto faz.  Tá combinado socialmente, você

Ciência Menino

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Underwood&Underwood/CORBIS Camille Paglia, pensadora norte-americana, disse que a ciência é invenção do homem para se proteger do insondável feminino. Ciência é coisa de homem. Eu tenho certeza absoluta. Fosse coisa de mulher já teriam inventado uma pílula que acabasse instantaneamente com a TPM e não existiria esta máquina que espreme um seio até achatá-lo como uma lâmina, inspirada na tortura medieval de bruxas, para fazer uma mamografia. Nenhuma menina na doçura de seus doze, treze anos, conheceria a cólica menstrual, pois seriam todas vacinadas contra esta aberração da natureza ao nascerem.  Parto com dor também teria sido abolido há milênios e daríamos a luz num espasmo de prazer deitadas em colchões de macela cobertos com lençóis acetinados. E logo após o parto, seria aplicado na barriga da mulher um poderoso cosmético reparador que devolveria a ela o aspecto dos dezessete anos. A pílula para não engordar seria distribuída gratuitamente pelo Ministério da Saúde junto co

Está Escrito

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Hoje, não quero escrever. Estou de mal com a escrita. Estou com raiva da escrita. Hoje vou escrever desescrevendo. Eu que comecei a escrever crônicas aos onze anos e passei por poemas, contos, peças de teatro, filmes, hoje estou odiando tudo isso. Quero escapar da maldita folha branca que é meu destino. Estou achando ridícula, quase inútil, esta sina de escrever num blog. Uma amiga da minha irmã comentou negativamente impressionada: mas sua irmã tem três filhos e escreve num blog? É verdade: que monstro sou eu que três vezes mãe escrevo num blog apenas pelo prazer de escrever? Que gasto vários preciosos minutos do dia metendo os dedos nestas teclas atrás de frases redondas ou pontudas? Que faço e refaço um parágrafo diversas vezes como quem borda um pano de prato? Enquanto deveria estar fazendo algo realmente útil. Sim, a poesia é a mais inútil das criaturas, passatempo de irresponsáveis, reduto de preguiçosos que se dão ao desfrute de serem sensíveis demais para carregarem o piano