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Mostrando postagens de novembro, 2015

Gritem bem alto: o rio morreu

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Mataram um rio, meu Deus, eu ouvi o grito dos peixes, eu vi apodrecerem as raízes das árvores, eu vi as vacas morrerem de sede. Mataram um rio na covardia, distraído, fluindo feliz pelas encostas, verdejando as veredas, sem dó, meu Deus, sufocaram o rio de repente com uma torrente de lama podre. Rio grande, generoso, morreu rápido arrastando afluentes, corpos de gente, fazendo um estrago sem precedentes na paisagem. A água da vida virando veneno demorado no corpo da Terra. Mataram um rio, meu Deus, os homens montados na ganância, emburrecidos pela ganância, suicidas inconscientes. Arrancaram um seio do planeta numa facada de descaso, sem temer o tribunal do universo e suas leis implacáveis. Mataram e saíram andando sem saber que um rio é um troço poderoso. Um rio não se mata sem vingança. A mãe Terra demora, mas vem cobrar. Eles não ligam. Bicho homem é bicho burro, imediatista, predador. Mataram e continuam matando o rio muitas vezes com esquivas e desculpas, com estratégias de f

Quem é você?

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Quem é você? Pergunto à jovem senhora que me olha no espelho. Não preciso de fama, preciso saber a que ela veio. Desculpe, não é totalmente verdade: fama e reconhecimento ainda me distraem, ainda me fazem perder tempo. Tanto chão andado e escorrego de novo para o palco do refletor apagado. Quero que a luz artificial do refletor me revele e me signifique. E não vai dar certo. Algo de emocionalmente lúcido em mim sabe: não vai dar certo. Não preciso de fama, mas quero. Não preciso de refletor, mas quero. Sinto-me abandonada com uma vela acesa na mão, sobre o palco exposto... e venta. Sempre venta demais enquanto não entendo a que ela veio. A luz diminuta e frágil da vela só me irrita. Posso acender mais velas, mas o vento pode soprar mais forte. Peleja infernal do ego. Se eu tivesse um refletor...! Se Deus me concedesse um refletor...! A jovem senhora me olha muda e enigmática no espelho: serena, me sinto ridícula diante dela. Esperneando feito uma pirralha no corredor da loja de brin

Nós, os cascudos possíveis

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Estou mais direta e grosseira. É a idade. Não me gasto mais em rodeios: em geral, digo o que penso.  Passei o pico da montanha e não tenho mais tempo para perder com jogos. Tratei de me fuçar bastante neste quase meio século e me conheço razoavelmente: sei o que gosto, o que aguento, o que não vou negociar, onde o calo me dói. E os calos me doem, acredite. Abri mão daquele sonho de chegar ao Nirvana existencial e aprendi a levar meus calos estrada afora num sapato mais largo. Ganhei paciência para muitas coisas e perdi totalmente para outras. Procuro ser honesta porque aprendi que dá menos trabalho. Só isso. Não quero medalha. E também aprendi a calar quando vejo que falar é perda de tempo. Se a questão é ter razão, tenha você. Já colecionei razões demais, receitas de vida, fórmulas de perfeição, lixo da mente que precisa se provar. Ninguém fica mais feliz porque tem razão. Entendi o que um velho amigo tentou me ensinar quando disse: faço até o que não gosto, mas o que não quero, nã