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Mostrando postagens de dezembro, 2017

Tributo ao Amor Impossível

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Em que local mágico ficam guardados os amores impossíveis? No bolso da camisa azul do homem poderoso e sem tempo? Na caixa marchetada sobre o guarda-roupa da velhinha que amargou? Na bolsinha de fuxicos daquela menina que chora no ponto de ônibus? Atrás dos olhos castanhos de medo da mulher que não se lançou no abismo? Em cartas amareladas escondidas no fundo de gavetas em cidades diferentes? Onde o monumento dos amores que seguiram se amando distantes apartados por um oceano de “nãos”? Onde o jardim dos amores que brotam em pedras secas e vivem eternamente animados por raros raios de sol? Onde o pedestal do amor que chegou na hora errada: tarde ou cedo demais? Amor dos que disseram adeus e se foram sangrando eternidade adentro? Dos que não deram conta? Em que altar consagraremos os amores doídos que viveram no silêncio? Onde posso registrar meu tributo afetuoso ao seu amor sensível, amável mas impossível? * * Para um homem e uma mulher amados. *

Caçadora

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Venenosa a solidão que blefa Solidão travestida de amor Solidão que inventa marido, namorada Onde o abandono se repete Cara a solidão que usa o outro Como tampão de hemorragia Solidão surda que não escuta o “não” Nefasta a solidão dos que se precisam acompanhados Solidão que manipula falas e inventa olhares E rouba carinhos invisíveis Estúpida a solidão que não se abraça, não se assume Solidão que fabrica arapucas de pegar amor Nunca autorizada sempre gigantesca Ergo-me na sala dividida ao meio por um biombo Por tanto tempo jurei um outro do lado de lá Ergo-me com a coragem  dos exaustos e vou olhar... Ninguém. Desenhos de crianças espalhados pelas paredes, pelo chão Meu outro inventado O resto é solidão real, basal, inescapável Recolho minhas garras e vou finalmente caçar a paz em mim.

O Bólido e a Borboleta

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A seta incisiva, na placa verde, aponta São Paulo. Tentei encontrar companhia para a viagem de sete horas de carro, não foi possível: o universo havia escrito no livro que era a vez de viajar só. A estrada, e suas pistas deitadas na minha frente, não me levará a São Paulo. Sequer existe um carro, meu corpo está fundido à máquina. Viajo numa metáfora do meu destino e acelero... 160 quilômetros por hora no tapete de asfalto. A música bem alto e só a voz masculina do Waze vez ou outra me alertando sobre radares. Existe algo premonitório ali, algo a caminho que não é São Paulo. Enquanto o carro voa, eu me encolho devagar e me acomodo dentro de uma caverna interna. Escorrego cada vez mais sem lastros para dentro de mim, para o devir. Vou me desapegando da realidade e seu cheiro de passado. Já não me reconheço no que era. Uma borboleta cruza a rodovia atarantada e explode tola contra o meu parabrisa. Diáfana presença no curso do bólido que me leva a mim. E não tem chance contra a força do

Amém

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Eu fui catequista. Tinha meus 12 anos. Ensinava a crianças menores o catecismo que eu mesma não conhecia muito bem. Ia sozinha à igreja, melhor quando ela estava vazia. O padre, os fiéis, a liturgia da missa, me incomodavam. Na igreja silenciosa sim, encontrava Deus. Sigo dispensando atravessadores e intérpretes entre mim e o divino. Pertenço a civilizações humanas arcaicas onde Deus estava em tudo o tempo todo. Deus era a água, a árvore, a pedra, o bicho. Então nasci misturada com Deus e não preciso de rituais para falar com ele, nem pontes. Deus é esta imensidão inexplicável aqui e agora, é o amor como guia, é minha união total com tudo que há. Dispensa rituais de conexão, cabines telefônicas de falar com Deus. Não marca comigo num local e horário da semana: está vinte e quatro horas online. Mas entendo os que se ajoelham no templo, os que juntam as palmas das mãos e rezam, os que cantam e dançam olhando para o céu, os que precisam de um pai na terra, menos metafísico, mais carne