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Mostrando postagens de fevereiro, 2012

Me Leva

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Pessoas não levam cachorros para passear. É justamente o contrário. Amanhece o dia em São Paulo e a rua vai se enchendo de cachorros puxando seus donos pelas guias. Passinho, passinho e afunda o fuço no chão em um misterioso centímetro quadrado de preciosidade inexplicável. E o dono ali, preso pela cordinha, olhando absorto, entregue ao seu quadrúpede e também atarracado ao pedaço de chão. Somos seus humanos. Ninas, Lulas, Pagus, Lunas, Lolas, Jucas, Brisas, Pitus, Neguinhos, nossos proprietários. Todo e qualquer cachorro carrega o dom de tornar o ser humano um animal melhor. Ou nos fazem mais humanos ou escancaram nossas desumanidades, nossos abandonos. Andando atrás deles, exercitamos o coração de muitas formas. Cachorro faz a gente conhecer vizinhos que habitualmente ignoramos, isolados em nosso castelo. Enquanto um cheira o cu do outro, os seus humanos aproveitam pra se olhar, se dizer oi.  Cachorro faz nosso cérebro descansar num sorriso enquanto corre atrás do rabo. Cachorro faz

O Banco

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Em frente ao quartel militar há uma praça e um banco onde não se pode sentar. Na praça há vários bancos idênticos, mas naquele não se pode sentar. Um soldado passa o dia de pé ao lado do banco vigiando. Não fala, e de nada adianta tentar arrancar dele o motivo pelo qual o banco deve permanecer vazio. Ele não sabe, é um militar, cumpre ordens, não pergunta.  Também dentro do quartel imponente às costas do soldado, ninguém pergunta. Um supõe que o outro saiba e o outro sabe que não saber pode ser perigoso e todos supõe que a razão existe e deve ser forte. Então se calam e aquiescem diante da ordem que é publicada todos os dias no quartel e designa eternamente um soldado para guardar o banco e impedir que algum incauto, por força da ignorância, venha a se esparramar sobre ele. Frequentadores da praça trocam entre si teorias mirabolantes que explicam o inexplicável banco proibido. Ali teria pousado o traseiro do Marechal Deodoro da Fonseca quando passou em revista ao quartel. OU. Ali o

Pequeno Efeminado

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Aos seis anos o menino é definitivamente efeminado. Não se pode chamar de gay, uma vez que a pequena criatura ainda não fez sua opção sexual...

De volta ao fogão

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No domingo não tem mais empregada. Faço titubeante o movimento de volta ao lar: aos filhos, ao fogão, às vassouras. O nascimento dos trigêmeos assustou e espantou minha dona de casa já insegura para o alto de uma árvore chamada trabalho. Criada para ocupar meu lugar no competitivo universo masculino, aprendi rápido o perigo de afundar nas dependências da casa relacionadas à alimentação e à limpeza. O pavor de ser engolida pela mulherzinha de antanho tornou breve e esporádica minha relação com a cozinha e a área de serviço.  Pedaços assustadores da casa que carregam o ranço da desvalia feminina. Lotados de preconceitos. Lugares do trabalho invisível. Busco encontrar neles, surpreendentemente, o meu conforto. Livro-me da empregada e me coloco em missão de reconhecimento, avanço sobre os armários da cozinha e mergulho em tapewares e garrafas térmicas e xícaras sem asa e pacotes de farinha vencidos. Descubro, entocados no fundo dos armários, os sinais do meu abandono, da entrega absolut