Gritando na Porta

Quem não consegue ficar só não deixa o outro em paz: esmurra a porta fechada, coloca calço pra ela não fechar, e, se fecha, grita do lado de fora... Pessoas em quem a solidão dói estorvam a solidão necessária do outro, usam o outro como distração eterna da própria dor. Travestem esta dor de amor e justificam no amor travestido toda forma de invasão e agressividade. Ainda carrego momentos de solidão dolorosa e ainda me pego gritando distraída de mim diante de portas fechadas. Injetando mais uma dose de cocaína na veia para alienar-me. O outro que chamo de amado é, em verdade, minha droga. Hoje joguei o pó fora, quebrei a agulha e estou só com minha angústia. Libertei o outro do meu desamor. Mandei a mente calar a boca, desligar o projetor onde o filme do outro se repetia em looping doentio. Atrás da tela, na dor da abstinência da droga, ele: meu eu feio, humilhado, abandonado, maltratado, cuspido. Ser impróprio que aprendi a odiar. O mar da angústia sobe até minha garganta num enjoo. Não é a dor da perda do outro que nunca foi meu, é a dor do abraço que não consigo repor nesta inadequada criatura. E contudo é bom, é libertador, é luminoso porque o outro está livre e a liberdade é contagiosa e eu estou um passo mais próxima da única possível paz.

Comentários

  1. Cadê a menina de tranças, cheia de sonhos e otimismo que conheci? Estou percebendo que minha única amiga mineira, anda um tanto quanto “amarga”.
    Uma mulher que já viveu fortes emoções, escritora, atriz, diretora de teatro e o mais importante de todos os feitos: mãe de trigêmeos.
    Escreva textos com a “cara” desta trajetória vitoriosa.
    Estarei aguardando um texto cheio de otimismo, flores e passarinhos.
    Que minha conterrânea, da nossa querida e saudosa Belô, levante este troféu de campeã do jogo da vida.

    Abraços com saudade da amiga e do trio.

    Nelson Ribeiro

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    Respostas
    1. Que nada, amigo! Todos carregamos nossas amarguras. Cabe ao poeta expor as amarguras do mundo. Relaxe. Nunca estive tão bem. Beijão.

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