O Soldado

Chega a hora de fazer aquilo que amo, aquilo para que nasci, para onde a alma aponta... e sou tomada de um pavor terrível, um desânimo sobrenatural, um ódio que brota das vísceras. Simplesmente não quero, não vou, não mereço ser obrigada a fazer aquilo que amo. Inclusive, preciso sair imediatamente do lugar onde possivelmente faria aquilo que amo como se fosse um matadouro. Evito com todas as minhas forças encontrar pessoas que possam significar um mínimo elo com aquilo que amo. Aliás, odeio também estas pessoas que carregam na fuça o mapa do meu paraíso. Bem escondida atrás do ódio que tenho desta gente sem lastro no sofrimento... Quem? Ela, minha invejinha incapaz de mergulhos. Invejinha que fica olhando da praia e inventando tubarões. Não nada, a infeliz. Não. Nada. Uma hora esqueceu o maiô, noutra a água está fria, daqui a pouco o sol foi embora, e ela lá odiando o mar e suas  insensíveis ondas que teimam em ir e vir enquanto ela segue paralisada. Chega a hora de urrar de prazer nos braços da minha vocação que está na água, de braços arreganhados, sorrindo e gritando vem. Eu com sono. Eu com pressa de ir fazer outra coisa que precisa ser feita. Eu gritando pra ela que isto é ridículo, é perda de tempo, fruto destas minhocas sem autocrítica da minha cabeça. Invejinha lá incomodada, resmungando parada diante do oceano. Atrás dela meu orgulhinho e toda sua parafernália que não pode molhar, não pode afundar... aquele monte de cacarecos que ele jura que são vitais para minha proteção e que só me protegem da deliciosa entrega.  Ele me distraindo com sua parafernália dispensável e ela sugando minha luz. Me enfiasse na água, no amor e estariam mortas estas duas criaturas. Não querem morrer. Quantas outras carrego determinadas a sobreviver na sua dor me impedindo de entrar na água? De que elas me alimentam? Arrasto meu não pelos cabelos e vou fazer o que amo, mecanicamente por enquanto, ainda sem o prazer e a plenitude da sacerdotisa mas com a obstinação humilde de um soldado. 
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