Quem nunca?
Do nada, ela foi embora. A vizinhança, os amigos, ficaram chocados. Largou tudo: filhos, marido, cachorros, gatos, uma casa grande, uma vida boa. Levou umas roupinhas surradas, o notebook, uns livros, dois pares de sapato. Na rodoviária, escolheu aleatoriamente um guichê e comprou passagem para o nada. Destino? Esquecer-se de si mesma. Dissolver-se entre rostos desconhecidos. Foi pegando um ônibus depois do outro até se afundar irrecuperavelmente no interior de si mesma: outro planeta, onde tornou-se alienígena. Uma senhora estranha sem passado, sem ninguém, sem projeto de vida. Alugou um quarto simples, numa pousada simples, sem TV ou internet. Então, sentou-se na cama e sentiu o abraço aveludado do vazio. Podia ser tudo já. Podia amar quantos quisesse. Podia dançar nua a noite na beira do rio. Podia gastar o dia inteiro escrevendo um haikai no chão de terra pra ninguém ler. Podia tomar um porre homérico e beijar a boca de outra mulher e nunca mais revê-la. Podia gritar e gritar e gritar até ficar rouca, um grito visceral, sem palavras, de bicho. E depois de tudo, podia dormir exausta na confortável ausência de rótulos, expectativas, julgamentos. Não precisava mais pentear os cabelos nem esperar nada. Nem a morte. Estava livre. Suspirou profundo e registrou em cada célula o poder gigantesco daquele sentimento. E guardada em si a possibilidade da fuga, voltou para casa. Todos a receberam mortificados de perplexidade, mas não ousaram dizer nada a ela. Também estavam transformados pelo impossível escape. Fingiram uns para os outros que nada havia acontecido. Ela estava de volta e era bom. Nunca mais partiu. Mas, às vezes, lançava através da janela um olhar saudoso de infinito.
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Quando me deito pela tardinha e fico olhando a serra d e longe, me sinto exato assim:Numa viagem....boa, porque tem volta, sem ela, seria uma louca alienígena...beijoes querida, texto maravilhoso.
ResponderExcluirObrigada minha querida parceira de delírios. Sempre bom ter você aqui.
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