Vermelho


Mãe, hoje, quando desci do avião, tinha as pernas e as calças sujas de sangue. Sua partida acordou meu útero e não houve absorvente que chegasse. Corri para o banheiro do aeroporto, e tive que trocar de roupa. Tudo ficou vermelho e vivo e forte... e eu achei bonito.  Mãe, eu aprendi que o universo enche nossos caminhos de sinais para quem quer ler. Meu útero pintou nas minhas pernas uma despedida vermelha pra você, em vez de cinza. Com o sangue que ele guardou pra receber uma vida, que não veio. Não é linda, mãe, esta mensagem do universo? Morrer e nascer juntos, misturados?  Hoje você se foi.  Em mim todas as bocas do feminino se abriram feito flor. A flor do útero pingou sangue. A flor do olho pingou mar. E apesar da dor, do sal, mãe, tudo ficou bem.  A pena, eu molhei no sangue e escrevi estas palavras, o sal, guardei pra temperar os dias que virão. Tem gente ingênua que acredita no fim, mãe. Pessoas de régua no bolso. Elas me acham biruta. Não entendem que estou mesmo falando com você numa ligação mil vezes mais nítida que as das nossas tacanhas operadoras de telefonia.  Eu faço cara de doida e rio escondida e deixo eles acharem que é verborreia de poeta.  Estou sangrando como nunca e estou viva como nunca. E você está mais tranquila do que antes vestida com um conjuntinho azul escuro, rindo pra mim de algum lugar que não preciso saber onde é.  Aqui a roupa ensanguentada segue para a máquina de lavar e eu volto pro meu cotidiano mais raso. Criando dias concretos, possíveis, até que acabe.
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Comentários

  1. Delicado e profundo, Nanna!

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  2. ai... não sei porquê seus textos me fazem chorar tanto... comecei a chorar no primeiro "mãe"... ai, ai, ai... tão profunda a dor da vida...

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    1. Hahahaha. Ai Lu, tive de rir aqui. Vou pedir patrocíniod e uma fábrica de lenço. KKKKKKKKK

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  3. sam avilez16/3/13 14:36

    estou precisada dos lenços ........................uahahahahahahahahahaha !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  4. Mais um excelente texto, visceralmente feminino e espiritualmente profundo. Bj

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  5. Estou em BH... amanhã volto para a Sampa de minha vida. Onde escolhi viver. Ao abrir o link do texto dessa SAFO NOSSA DE CADA DIA, já sabia que algo forte, belo e profundo iria ser lido. Não me enganei em nada. Apenas com o imprevisto de que as lágrimas foram muito mais do que eu gostaria. Tudo bem... assim posso justificar esse choro de dentro da alma, esse grito que pode me salvar. Amanhã vou embora e já posso chorar hoje. Chorar a saudade que sinto, que vai muito além da partida de BH. Essa saudade que me sacode o peito e que não gostaria que me vissem sentir. A partida me leva para perto de você, Safo, com todos es belezas que saem de você, e que florescem ao cair na terra preparada que é a mente de todos que te leem. Grato, mais uma vez. C. Neto

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