Esperando

Estou aqui sentada esperando Safo, mas ela não vem. Resolvi provocá-la com palavras iscas e tentar arrancá-la do profundo onde mora e de onde sai quando cisma, feito baleia que salta maravilhosamente assustadora na frente do nosso barco.  Mas ela não vem. Então sinto-me só e pálida, dona de frases vulgares e uma preguiça mortal de escrever. Porque Safo é aquela parte visceral e espontânea que carregamos, eu e você, e não vem feito cachorrinho quando a gente chama. Pior se você chama alto, porque é mais fácil que ela venha no silêncio, e silêncio a gente desaprendeu. Cala-se a boca mas não cala-se a mente que abarrota nosso eu de coisas miseravelmente conhecidas e supostamente seguras. E Safo, penso, está cansada de minhas mesmas coisinhas de todo dia com as quais preencho obsessivamente meus espaços onde ela mora. Quando foi mesmo que saí do gráfico, chutei um balde, tomei um porre, fui sem avisar, não fui sem avisar, roubei um beijo, cometi uma gafe, andei na chuva, passei da conta, pedi desculpas, mandei à merda... Nada, vou me cercando de estruturas sólidas e sem poros. Vou cimentando tudo de certezas. E Safo cansou de procurar as bocas, cada vez mais raras, de vulcão que me inundam de lava, me destroem e depois me fazem ver nascerem nas costas, em cócegas deliciosas, brotos de plantas estranhas. Está lá boiando no meu magma interno, surda. Eu aqui, feito um autômato, cumprindo metas. Esperando que ela tenha pena e se atire sobre mim na forma de um ataque de riso... ou de choro, não importa. Mas talvez não seja nada disso. Safo não é punitiva. Talvez tenha apenas ido buscar no divino umas picaretas para me salvar. E já esteja chegando. Esta parte em mim, em nós, que de nós não desiste. Que nos ama. Sim, lá vem ela finalmente: rola pelo meu rosto e se espatifa no teclado.
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Comentários

  1. que bom que ela bem chegando... temos um prazo que nos esmaga...rsrs

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  2. Cara amiga, acabei de assistir um documentário sobre o Charles Bukowski - na TV Cultura, maravilhoso. O documentário termina com um poema dele, algo que diz - que existe um pássaro azul dentro dele, e ele não deixa sair... por que ele (o pássaro) talvez queira fuder ele, apesar disso, ele o Bukowski, não o deixa morrer..pois o mantém, mas ele sabe que ele existe... e está ali. Coincidentemente sua crônica me lembrou isso... taí um link sobre http://www.pensador.info/frase/NTMxNjE3/

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