O Macaco Nu

O homem viu atrás do arbusto o que parecia muito ser uma possibilidade de crítica. Entendam, uma crítica pode ser um bicho pequeno, mas pode não ser e devorar a gente. A crítica no subterrâneo do homem não era um bicho pequeno. Ela estava ligada ao impossível pressuposto de que ele, talvez também um bicho muito pequeno, não podia ser fraco, não podia errar, não podia distrair-se, não podia tropicar, não podia rir de si mesmo sob pena cruel da retirada do amor. Então, o instinto de autossobrevivência do homem entrou em standby por segurança. Eriçou os pelos das costas, retesou os músculos e colocou seu hiper foco no bicho atrás do arbusto que sim, agora ele tinha absoluta convicção de que era uma crítica. Entendam, o homem não podia deixar que ela crescesse dentro do peito e desenvolvesse mandíbulas fortes e cheias de dentes e avançasse sobre o pequeno bicho indefeso que ele não podia ser.  O homem estava ameaçado. O homem precisava contra-atacar.  Li uma vez em um livro do biólogo Desmond Morris chamado “O Macaco Nu” que o macho da espécie humana carrega uma condição atávica que é a memória de estar na mata em busca de alimento para a fêmea e seu filhotes que esperam famintos numa caverna e não poder errar, e não poder perder a caça e não poder, sob hipótese nenhuma, voltar para a caverna sem nada. Erro igual a morte. Me comoveu. E quando o homem projetou sua agressividade sobre minha possível crítica, depois de odiá-lo por um ou dois dias, abri mão de odiá-lo e escolhi seguir andando em busca de espaços onde seres que tropicam possam se abraçar e se enxergar como autores de um mundo melhor.

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