Meio Ovo
Nunca está bom. Sempre falta. Olho cheia de inveja para o
jacaré no banco de areia no meio do rio. Plácido. Não falta nada. E quando
falta é tão simples, tão reto. Mas eu caí na esparrela de vir ser humano. Um bicho cheio de
receitas de ser. Para mim falta tudo. Acordo de manhã precisando beber menos,
ganhar mais, encontrar o melhor corte de cabelo, fazer algum curso, meditar,
respirar usando o diafragma, ser mais positiva, comer mais ovo, comer menos ovo,
comer meio ovo, comer dois ovo, não errar o plural de ovo. Estou sempre errada, inadequada,
devendo. Não consigo simplesmente apoiar a barriga no banco de areia e olhar o
céu. A barriga que apoio no banco de areia é grande demais, é flácida, é um
corpo estranho plasmado no meu abdome, um continente ou conteúdo psicanalítico que não cala e
não me deixa em paz. Não sendo um jacaré, preciso evoluir sem descanso: encontrar
minhas sombras, desvendar meus traumas, buscar a iluminação mas, claro, com
humildade, não muita humildade que pode ser baixa autoestima, que na verdade
pode ser orgulho, ou talvez o espírito de um ancestral indígena que me habita
ou milhões de outras redes neuronais que se acendem formando novas ideias de
mim. O certo nunca está aqui, o melhor
nunca é agora. E estou ficando louca de
tanto nunca bastar e nunca poder ser. Doida de pedra vagando a muitas unidades
astronômicas da minha essência. Tão
completamente insana que estou indo agora, a nado, em direção ao jacaré, ao
banco de areia, onde vou me deitar e ficar imóvel até que um vazio no estômago,
uma mosca, um maldito ser humano com uma câmera, me obrigue a um mínimo
movimento.
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