Miasmas de estimação

Ele cria fantasmas, numa caixinha fechada na área de serviço, com cuidado extremo e comida cara. Fantasmas de estimação, raros, bem-nascidos de alguma realidade dolorosa. Ele examina, avalia, cuida de cada um sem descanso para que não percam o dom de assustar. Conhece seus bichos em detalhes obscenos.  Guarda para, quando a vida ameaçar de novo invadir a casa e o prazer apontar embaixo da porta, abrir a caixa e soltar um. Miasmas de mãe alcoólatra, pai abandonador, desamores, desvalias que gritam alto se jogando contra paredes, janelas e móveis, diante dos olhos dele capturados... Repetindo o rito da dor inaugural como num êxtase de cachaça... em contorções dramáticas que se sucedem numa estranha coreografia. Horror suspeito que é quase belo. Espetáculo estéril ao qual os amores de verdade são alérgicos. A vida se retira. E a fortaleza do trauma está salva novamente. Ele recolhe então o bichinho em sua caixa...  hipnotizado pela companhia dos fantasmas que são propriedade dele, que nunca irão abandoná-lo... numa estranha segurança de quem já sabe aquele susto.

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