O Sol está em casa

O sol na casa da vida: a taróloga olhou com alguma esperança de que ela sobrevivesse àquele atropelamento existencial. Estava lá, apesar da noite escura da alma: o sol na casa da vida. Na cidade devastada pela bomba, uma mulher se ergue dos escombros, ferida mas de pé: o sol na casa da vida. Não esteve sempre lá, ela sabe. Foi um dia um sol desenhado a lápis numa folha de caderno, sem luz e sem cor, que ancorava uma vontade pálida de viver. Papel colado na cabeceira da cama para lembrar de uma eterna busca quando nenhum sol havia. Está lá agora, a mulher das cartas disse.  Grande e luminoso, mas feito de caquinhos: ela sabe. A vontade de viver inventada estrada afora na colagem de muitos pedacinhos que pareciam impossíveis de encaixar. O olhar anonimamente amoroso para o mundo, seus seres e suas histórias, conquistado. Está lá feito mosaico na carta do tarô e no meio do peito dela. É seu lastro na passagem do furacão que carregou quase tudo e lançou longe na impermanência. O sol na casa da vida: único item que restou na mala dela. Luz primordial do Tao de onde ela partiu um dia e, providencialmente, está de volta à casa. Viver é gigantescamente belo, ela sabe. Uma dádiva, uma graça, um presente. Apenas caminhar testemunhada pelo sol. Apenas amar a vida e os viventes nos experimentos cotidianos. Brincar de ser na leveza de que é tudo ilusório, é tudo ficção. Hoje ela sabe, então não pode mais ser engolida pelo breu. Deve sobreviver, honrar os sobreviventes. O sol na casa da vida.

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