Abismo 8 - VIGIA
Eu fico lá, vigiando a rua, sentado na calçada, a calçada
gigante e, nas minhas costas, um muro alto, eu lá, vigiando a casa, mas a rua
não é minha, a casa não é minha... dentro da casa gigante os donos não estão,
por isso eu vigio a rua... foram pra longe do caos da pandemia, pras suas fazendas,
pra outro país mais digno. Eu não deixo entrarem nas casas. Eu cuido do patrimônio.
Eu vigio a casa vazia, a casa gigante, sentado na rua todo o dia. Eu tenho a
sorte de trabalhar, ser vigia da rua vazia, onde o ar circula, na pandemia. A rua é linda, as casas são lindas, a cadeira
é de plástico, mas venta e aqui estou a salvo. À noite, dentro do ônibus, quando
volto pra minha casa lá no fim do mundo, onde somos cinco bocas, fico pensando na
minha sorte de trabalhar, ser vigia da casa vazia, na rua vazia, onde o ar circula, na
pandemia.
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