Solo Fértil

Tudo já estava lá disperso no canteiro das rosas, umas ervas daninhas aqui e acolá que não nos importaram. Como gritos de mulher vindos, de vez em quando, do apartamento vizinho que a gente resolve fechando uma janela. As plantas daninhas foram deitando finos braços aos pés das roseiras. No começo imperceptíveis, lidáveis. E chegamos até a achar alguma graça em suas folhas tortas, agressivas, abusadas. Um vegetal descontrolado não seria melhor que a terra já tão escavada ali exposta feito ferida? Começamos a inventar suspeitas de flores nos seus caules e demos as costas às roseiras que são trabalhosas e exigem mais cuidados civilizatórios. A erva, por nós autorizada, espalhou rápida suas ramas pelo jardim e estrangulou os pés de flor. Quando acordamos, tinha engolido a terra com seu mar de raízes. Algo na rapidez e na força com que se espalhou me fez entender que a planta não era uma invasora e o canteiro, que um dia eu quis de rosas, era, na verdade, seu berço.  Não era Caruru, Carrapicho, Mentrasto ou Picão-Preto. Não era Estrelinha, Losna, Mastruço, Nabiça, Trapoeraba, Corda de Viola. Era só uma mudinha de ignorância, que deitou umas raizinhas de intolerância de onde partiram muitas ramas de ódio.  A terra fértil onde por séculos ela cresceu era um país. As roseiras, um sonho de dignidade sem adubo e sem lastro. Eu sou aquela semente desgarrada que ali vai voando no vento, aquela semente assustada, sem pátria e sem chão, momentaneamente desistida de ser o jardineiro.
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