Sem pular da ponte

K. Polak
Hoje deixei o Facebook e fui até a cozinha conversar com Nádia sobre política. Minha parceira total no dia a dia, que acho estranho chamar de empregada, substantivo genérico que não define de fato a especialidade e o valor do que ela faz. Nádia que passa a maior parte da vida ao meu lado, misturada de forma tão silenciosa à intimidade da minha família. Nádia que é profissional dedicada e admirável e gosta do que faz. Nádia que vai nos receber em breve num churrasco em sua casa. Nádia que mora longe. E vem de uma realidade ainda distante demais. Hoje deixei as disputas conceituais do Facebook, tão penosas nos tempos de penumbra moral que vivemos, e, enquanto nossos trabalhos esperavam, conversamos.  Ela me contou das precariedades do SUS, do qual ela e os seus dependem, eu disse que o novo Ministro da Saúde falou em cortes, ela não entendeu “cortar o quê”. Falou que o Lula foi muito bom para o nordeste e mudou a vida de muita gente que ela conhece lá, mas a roubalheira na Petrobras ajudou a empurrar o país para o buraco, e ela não perdoa. Falamos de religião, e ela contou que a mãe deu cem reais em troca de uma benção do pastor. Recebeu uma bronca: Deus está em todo lugar e não pede dinheiro, mãe. Nádia é evangélica. Acha justo contribuir com a manutenção do templo que frequenta porque o amor de Deus a impulsiona, é uma troca, mas concorda que o mal se aproveita da fé para enriquecer, muitas vezes. Sobre o impeachment, o marido disse a ela que trocamos seis por meia dúzia, ao que retrucou: então vamos tirar estes de lá também. Concordei com o que ela disse. Me fez perguntas sobre Dilma, Temer, quis entender a bagunça. Tentei dar a minha versão sem catequizá-la, é difícil, mas me esforcei. E quando falei que precisava ir trabalhar, Nádia abriu um sorrisão e disse que era bom conversar comigo. Preciso criar um tempo para fazer mais isto. Agora está lá equilibrando dezenas de pratinhos que fazem funcionar a minha casa, enquanto posso escrever um pouco antes de pegar os meus próprios pratinhos. Penso que hoje não consigo ver luz nas instituições brasileiras, mas Nádia ganhou mais um brilho.  É um fato: iremos deixar no mundo crianças melhores do que nós. E, logo, vou tomar cerveja e comer churrasco  na casa dela enquanto nossos filhos brincam, e conversaremos mais sobre tudo, e será bom. Porque no quintal da Nádia, da Cida, da Tânia, da Cidália, da Vera, da Rosângela, da Inês, da Nega, da Alvina, da Neuzeni, da Bia, nos sentimos em casa. Esta, a ponte que confio para o futuro. Cada vez mais curta entre nossas casas. E não foi inventada pela hipocrisia repetitiva e estéril destes homens. 
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