Dia de queimar a bruxa gay

Prezados amigos, colegas de trabalho, vizinhos, passantes, senhoras e senhores deputados, venho a público revelar ao Brasil que sou gay. Já posso ouvir ecoando da minha janela uma sequência infinita de óóós. Brotam do liberalismo hipócrita do brasileiro que coloca a criança pra assistir um desfile de carnaval onde as mulheres expõe o corpo como carne num açougue, mas tapa os olhos dela se dois homens passam de mãos dadas.  Óóóó! era uma senhora casada, mãe de família, tinha uma reputação imaculada. Pois, não sou mais, acabou. Sou gay. E não teria nenhum problema em namorar uma das mulheres fantásticas, inteligentes, sensíveis, gostosas e homossexuais que conheço. Seria muito feliz ao lado delas e sei que elas seriam mães maravilhosas para os meus filhos. Sei, senhoras e senhores, porque as conheço. Então, sou gay. Só quem não tem um amigo gay, é capaz de rejeitar o homossexualismo como possibilidade. Eu sou gay e nada muda para quem me ama. Nada. Mas, seguramente, para algumas das senhoras e dos senhores que não me amam, um chifre rosa começou a brotar na minha testa.  Você que cruzava comigo em situações sociais superficiais e estava tão confortável com minha figura legalzinha, perdeu a paz. Minha homossexualidade despertou, nos porões inexpugnados da sua alma, um sinal de alerta. Você precisa fazer algo, certo? Mandar um whatsapp para o grupo de amigos comuns tentando conseguir uma pista se estou ou não blefando. Calma, ela deve estar blefando, coisas da literatura. Você precisa que esta súbita pessoa gay não exista dentro de você. Você precisa eliminá-la e já entendeu que não dá pra acabar com ela dentro, se ela continuar existindo fora. Caramba, senhoras e senhores deputados, acabo de criar um problemão para a República. Vamos esquecer toda a lama que vivemos neste país e falar da minha homossexualidade. Vamos parar tudo, esquecer o imenso trabalho que os senhores precisam fazer para mudar as estruturas político-jurídico-econômicas do Brasil: venham correr atrás de mim e dos veados e sapatões que andam comigo. No fim, vocês sabém, dá menos trabalho e mais ibope. Venham que meu caso é pior do que ser gay: estou com nojo de mães de famílias heterossexuais padrão que ensinam os filhos a rejeitarem e bullimizarem gays, mesmo sutilmente com piadinhas aspas-inofensivas. Estou possessa com pais de famílias heterossexuais padrão da bancada evangélica que nunca foram ver de perto uma família homoafetiva e as atacam com esta agressividade podre e cruel autorizada pela religiosidade. Eu, nobres deputados, acho estas pessoas doentes de uma profunda pobreza de espírito. E estou chamando esta turma pra bater na minha cara, pra mandar mensagens agressivas na internet, pra acender fogueiras simbólicas e queimar a bruxa gay. Por que assim eles mostram, na prática, que não existe nenhum Deus por trás disso. Só a abominável e eterna violência humana em busca de inimigos. É isto, senhoras e senhores: eu avaliei bem a minha capacidade de amar o outro, de desejar o outro, e descobri que também sou gay, sem problema nenhum. Estou momentaneamente hetero, mas não se apeguem a isto, porque eu estou me lixando para a heterossexualidade. Ela não me faz melhor do que ninguém e não me dá nenhum direito de julgar o próximo. E se existe inferno e Deus é sábio, generoso e autoridade maior do amor, tenho uma notícia ainda pior para os senhores do que a minha sexualidade fora das expectativas: muitos de vocês, que estão na Terra brincando de Deus, vão virar churrasco. Um churrasquinho seco, esturricado, sem gosto e que ninguém vai querer comer. Então acordem, evoluam e tirem o pé da felicidade das famílias dos meus amigos gays. Muito obrigada.


Comentários

  1. Shi.pow-pow-pow! Mais um texto maravilhoso saído do forno no pós carnaval... esse texto deveria ser lido na homilia de domingo, na principal missa do dia... no culto de todas as igrejas evangélicas... na primeira sessão do senado, da câmara dos de-putados, tanto os federais quanto estaduais, na câmara dos vereadores e em todas as classes de aula, sejam estas de qual modalidade forem. Deveria ser impresso esse texto e jogado por aviões, em todas as línguas, sobre todas as cidades, todos os povos, para que os desavisados, pelo menos os que sabem ler, afinal o número dos incapacitados sobem a cada ano, tomem conhecimento de que cuidar da própria vida e deixar que outros vivam as suas, é uma obrigação. Adorei, Nanna de Castro. Ferro neles, os imbecis.
    CN

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    1. Obrigada amado. Sempre ao seu lado, mesmo que chovam canivetes.

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  2. Você só tá querendo ibop, achar que o país vai parar por causa desse discursinho de se declarar gay? Se manca idiota.

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    1. Você foi obediente e fez exatamente o que o texto previu. Demonstrou lindamente a pobreza em cada palavra que conseguiu escrever. Podia excluir seu comentário, mas é tão ilustrativo do que quero dizer que é muito melhor deixar.

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  3. Respostas
    1. Ditado de um país que não me lembro: às vezes é preciso gritar bem alto o que muitos dizem baixinho. Beijocas Érima.

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