Mais Bichos

Pagu está deitada no colchão no chão do escritório e se finge de distraída. Sábia, põe sob controle a energia impulsiva de seus instintos mais atávicos que ordenam: ataca. Tição serpenteia à sua frente, caminhando lento e calmo em direção à porta, outro fingidor. Seu corpo é todo olhos de olhá-la sobre o colchão, pronta para se atirar sobre ele e imobilizá-lo. Faz-se de isca para testá-la, obrigá-la a se entregar, a se perder num salto inútil em sua direção. Ele escapará. Ele sabe. Ele é um gato. Num átimo de segundo desaparecerá sob os bigodes dela, projetado pelas pernas traseiras de mola.  Ela também sabe. Já o perdeu várias vezes por querê-lo demais. E uma ou outra vez até o pegou distraído e o submeteu à força. Pagu é maior, mais forte, é cachorra. Nasceu para matá-lo. Mas não. Está ali deitada no colchão com as orelhas em riste olhando para o nada, para fora. Olha para ele com as orelhas. Com os olhos diz: não vou. Finalmente convencido, Tição para, afunda a cabeça no chão e se arrasta lentamente em direção a ela. A mágica da comunicação está feita. Agora é ele o predador. Salta em seu pescoço, garras expostas, afunda os dentes no seu pelo e ela cai. Eu incrédula. É uma atriz peluda de rabo. Tição jamais a derrubaria.  Rolam juntos no colchão à minha frente num balé delicioso que tem os mesmos golpes da morte negociados com leveza entre cavalheiro e dama. Não me machuque - ele diz - e serei seu. Me deixe escapar - ele mia - e volto. De repente, Tição escorrega por entre as patas dela e desaparece através da porta. Pagu não vai ver onde ele foi, porque foi, fazer o que, com quem, nem late magoadamente que é cedo. Fica esticada feito Anúbis preto me olhando divertida e logo se entrega a um sono pacificado. Aprendeu a jogar o jogo do outro e ganhar as delícias de um momento. Curvo-me diante da mestra adormecida até tocar o chão com meu focinho.
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Comentários

  1. Anônimo3/6/12 14:04

    Ah, Nannu... qualquer texto teu, ainda que seja sobre um grão de areia, você escreve com maestria. Sempre a me emocionar.
    Amo-te!
    Um beijo,
    Paula Nigro

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  2. ai, ai, o que o ser humano é capaz de fazer com um simples jogo de cão e gato!

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