Pequenos Homens e Sua Obras

Nos acostumamos ao fedor. Pobre povo desprovido de indignação proativa. Povo manso, encabrestado. Dividimos entre nós a praga da baixa autoestima. No nosso jardim, todo mundo pode fazer coco. Olho pela janela: meu girassol cagado por um deputado, um senador, um ministro corrupto.  Dou um suspiro magoado e vou pegar minha pazinha de lixo, jogar aquela merda em outro lugar. Amanhã ou depois o nobre político virá baixar suas calças e deixar mais uma de suas obras em cima das minhas margaridas. No caminho, pisará nas delicadas sempre-vivas. E ele nem se dá mais ao trabalho de vir incógnito à noite. Porque para o filho da puta eu, meus filhos, minha casa, minha cidade, o tal público, existe para saciar seus instintos primitivos de macaco recente que são meter a mão, comer e botar pra fora. Depois de aliviado, como sempre, ele limpará o traseiro na minha apatia e seguirá feliz para o jardim do vizinho. Eu, para não passar atestado total de vaso sanitário, já que pertenço à elite intelectual deste país, correrei para lançar aos ouvidos do meu marido, dos amigos, postarei no blog, no Facebook, algum comentário indignado e volátil acerca da falta de caráter daquele cagão que me representa. Sim, ele me representa, como uma imagem no espelho. Ele vota em meu nome, tem procuração com plenos poderes para decidir meu destino, ele, aquele ladrão escroto,  sou eu lá.  E meu interlocutor vai ecoar sua indignação com a minha, olhando seu jardim também minado de esculturas fétidas.  Mas nossa pazinha é imensa assim como a nossa condescendência e tem sempre algum canto incólume do jardim pra onde se possa olhar. Damos comida escondido à nossa própria permissividade e, no fundo, acoitamos o cagão em nós.  E o cagão fora de nós sabe. Até criaturas medíocres como ele só precisam passar os olhos pelas páginas dos jornais onde morremos latrocinados nas ruas feito moscas, ou apodrecemos em corredores de hospitais superlotados, pra saber como somos mansos. Então, depois de amanhã, ele virá de novo, recebeu uns cargos, uns milhões e deu uma votadinha no Congresso. Nada de reformas urgentes, cruciais, para o país. Ele só desobstruiu a pauta. E como encheram sua pança em troca do voto, ele está apertado, precisando se aliviar mais uma vez. E lá vem o digníssimo esvaziar seus intestinos, não mais nas minhas flores, ele tem ganas de superar-se, de testar minha inércia, caga em minha cabeça mesmo.  Afinal de contas esta coisa inútil em cima do meu pescoço precisa ser usada. E eu vou rezar e pedir a Deus que pelo menos seja bom para o cabelo. E darei mais um suspirinho enquanto o nobre produtor de merda avança saltitante sobre as azaléias levando em uma das mãos o meu futuro e na outra um rolo de papel higiênico.
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Comentários

  1. não devia comentar... não devia ser a interlocutora que compartilha da sua indignação e ajuda a aumentar a sua e a minha pá... pq a indignação pública e os abaixo assinados algumas vezes me irritam mais do que a própria cagada que os geram... pq nos isentam da responsabilidade... mas a questão é que não acredito mesmo que haja o que possa ser feito, a mudança não depende mais de alguém... a corrente da representatividade está quebrada, eles estão lá, distantes de mim, não me representam de fato, não temos mais essa noção e, pior, não há nada concreto que me ligue aos meus representantes, há um abismo, um vácuo entre mim e eles... e sabe o que penso disso, num âmbito mais... filosófico (?)? que talvez, qdo o mundo finalmente aceitar o feminino como algo digno, e não como algo pejorativo, a ser eliminado, inclusive entre as mulheres, talvez aí, profissões como a política (e também a medicina), deixem de ser um lugar do poder e se tornem o que devem ser: lugares para serem ocupados por seres humanos femininos, capazes de servir ao outro!

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