Oco

Estou branca como a folha virtual à minha frente. Desde domingo chamando, e o texto não vem. Espero em vão a poeta que está entocada em algum buraco do profundo.  Saiu pra comprar cigarro, picou a mula.  Ela que é livre e tem lá suas razões para se afastar de mim. Eu que nem sempre a amo incondicionalmente como devia.  Já é quarta-feira. Melhor me entregar. Escrever sobre o nada, o buraco negro, a ausência. O nada que às vezes me apavora. Medo de olhar o meu vazio. Tudo que eu quis e quiseram de mim e não é. O que não serei, não tenho para dar, não consigo. É o que faço agora debruçada na cisterna seca. Lá embaixo, só o breu mudo. Nem tristeza vejo. Só um oco. Deve ser nesta hora que alguns se atiram da janela. Quando nem a dor te prega neste mundo. Mas eu não. Intuo que algo está sendo gestado no escuro e me acomodo no vácuo.  E curto o vácuo, o precioso não ser. Espero. É uma espécie de meditação imposta pelo universo. Um entreato entre ser esta e a que virá.  O mundo lá fora vai se desrealizando. Virou uma fotografia. Estou estranhamente dentro do meu corpo. Como nunca antes. E é só outra possibilidade de existência que descubro no nada. Em cinco minutos vou sair correndo e mergulhar no cotidiano com seus sons e imagens em movimento. Mas agora não estou. Fui engolida pelo oco. E não sinto medo.  Não sou óleo, sou leite me dissolvendo na água da vida. Minha mão acaba de se fundir ao teclado e meus pés vão afundando no ladrilho hidráulico. E você deve estar prestes a vir me socorrer de mim mesma. Sim. Fiquei louca. E você não imagina a delícia que é.
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Comentários

  1. Safo. Seu blog me veio ao acaso, e desde então é fundamental para os momentos de reflexão do meu dia a dia. So tenho a te agradecer... pelo oco, pela dory, empregada etc. com carinho, barbara

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  2. Minha querida!
    É incrível como não estamos acostumadas com o "oco". Muitas vezes nos obrigamos a produzir pensamentos...que insanidade! rsrs
    Curta o Oco, pois ele também faz parte de nós!
    Beijos

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  3. Querida Nana,
    Seu oco preencheu o meu nada. Frutificou o meu vazio. Como sempre vc inspira as nossas almas, irmãs da sua.
    Bjs

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