Ódio à bondade


Odeio pessoas boazinhas. Gente que se desdobra para além da bondade necessária e se arrasta em mesuras e sacrifícios. Que carrega a sua e a minha mala. Que recusa a carona pra ir a pé. Que faz cara de coitada e diz: não precisa. Aaaaaa! Como eu odeio pessoas boazinhas. Caricaturas de bondade. Mártires de porra nenhuma. Bando de narcisos prepotentes disfarçados de humildes. Sufocando os outros com sua disponibilidade ostensiva, sua habilidade mórbida de abaixar ainda mais a cabeça e carregar ainda mais peso. Odeio o bordão da supra-humildade: tudo bem, não precisa. Não precisa nada, que ninguém lhes tire da miséria, que ninguém lhes dê um bilhete de loteria premiado para arrancar deles o prazer do pouco. E não se enganem: a cobrança virá. O deleite da cobrança invisível mas sensível. Afinal, como podemos ser tão felizes, tão ricos, tão realizados quando aquela pessoa, tão boazinha, está indo a pé para casa, no escuro da noite, carregando um sei lá o quê sempre muito pesado?! Sejamos um pouco maus, a maldade que humaniza. Inerente ao bicho gente que somos. Maus como as crianças pequenas ainda não catequizadas. Naturalmente. Vamos proteger o outro com nossa explícita má intenção. Deixar que ele se defenda. Nenhum excesso me interessa. Nenhum excesso me convence, nem o de bondade.
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