Não te assustes mais

Que o mundo não mais te assuste, criatura fantástica. Que os pavores de existir não mais te assaltem de madrugada e carreguem teu sono para além das pálpebras inutilmente fechadas. Que a mente não te assombre com seu falatório insalubre sobre as tragédias que hão de vir. Que as paredes sujas do aquário não iludam seus olhos de peixe. Não és tu que faltas. Não és frágil e impotente e sobretudo não estás sozinha. A caverna é fria e assustadora mas em algum lugar sabes que não estás lá dentro. Tu sabes. Pisca com força os olhos que as paredes desaparecem. Desautoriza o medo enroscado feito serpente em tua garganta. É só um fantasma mal-acabado feito de papelão com restos de dores superadas. Percebes que ele é só um barulho que se reedita sempre que alcanças o teu silêncio divino. Não temas o pobre e repetitivo espetáculo de horror que te acusa de inviável. Tu não és inviável. Tu és eterna criatura feita da matéria das estrelas. Tens mil vezes o tamanho que imaginas e cem mil vezes o tamanho das tuas assombrações. E podes tudo. E tens todo o direito de caminhar sem esta faca espetada na garganta. Fizeste o teu melhor nas calmarias e nas tempestades e só mereces do universo o acolhimento. Que os fantasmas berrem até se esgotar, tu te manterás abraçada por um amor inegociável e atravessarás a cortina de fogo sem queimar tua pele. Que venha a avalanche, confia na imortalidade deste pé de flor incrivelmente brotado e crescido no caminho. Confia na eternidade em ti. Sabes de onde vens e para onde vais? És a mais bela incógnita que respira. Então não te assustes mais criatura fantástica que o susto é só um brinquedo mal a hipnotizar tua criança. Ela já pode brincar de ser cuidada. Ela já pode correr segura pelo gramado. Ela já pode confiar na invulnerabilidade do sagrado que te veste. 

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