Boia
Boia, criatura. Não salva o mundo, nem salva a si mesma.
Boia. Não responde nada às esfinges, senta no chão do labirinto e esquece a
saída. É tudo labirinto. Boia, criatura, que nem todo tempo é de nadar. Solta o
corpo na superfície do mar. Solta a mão dos seus sustos. Quando o relaxamento é
verdadeiro, a gente não afunda. Água e corpo sabem negociar na leveza a entrega
sem afogamento. Boia sem nem inventar praias próximas. Acata esta hora de não
ir, de não saber, de não ter, de só estar. Confia no oceano. Boia. Está tudo
certo como é. Às vezes é pausa, às vezes é nada, às vezes é silêncio. Aprende a
não chamar sempre e a existir quando não há escuta, não há estrada, não há
porta, só há espera. Não dê braçadas, não mergulhe, deita esse corpo tenso e
triste sobre o colchão de água e fecha os olhos. Nem do céu você precisa agora.
Sente o balanço doce da água densa que te leva para um destino que só ela sabe.
Não saiba, criatura. Tudo é beira de abismo, o meteoro pode estar a caminho ou
a próxima pandemia e viver é frágil casca de ovo. Mas o fim do mundo pode
esperar alguns minutos enquanto você boia.
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