A que não é
Escolho me embebedar e escrever. Sozinha. Eu, a garrafa e a
folha digital. Descarto as coisas de fazer gente feliz: o amor, os filhos, a
realização profissional. Descarto. Abraço minha sina só. Escrever. Pensando bem
eu deveria estar fazendo algo mais normal para uma mulher da minha idade. Não
faço. Não penso. Não busco o que não tem de haver. Encho a taça e brindo comigo
ao silêncio desta casa vazia. Brindo à minha coragem na solidão desta noite.
Não espero. Não almejo. Encaixo a taça de vinho entre os lábios pacificados e
engulo meu presente. A casa se esforça num silêncio fundo. Só o som dos meus
dedos no teclado denuncia alguma vida a se cumprir. Sorvo outro gole. A embriaguez
me salva de um mundo assustadoramente desinteressante. Me instalo uns metros
acima da lucidez. E entendo que, de verdade, não quero mais nada. Me perdoem os
que planejam, os que almejam, os que anseiam... Eu não quero mais nada. Brinco
de estar quando nem existo. Brinco de coisas de fazer gente feliz e invento
projetos. Mas amo mesmo profundamente esse nada cheio de palavras inúteis.
Palavras para esquecer. Palavras desnecessárias brotando da mente alcoolizada.
Aqui está, em verdade, meu amor pela vida. Seja do que for que você me chame,
amiga, amante, namorada, mãe, consultora, artista, saiba que apenas se
engana. Eu sou uma mentira ambulante. Uma
mentira explícita, feroz, encarnada. De fato, quando a taça se esvazia, eu sou só
um cabelo teimoso de Deus que se espeta. Um incômodo. Eu sou o silêncio da
casa. Eu sou imensamente desnecessária. Aquela que não é nem será.
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