Manifesto do Eu Sozinho

Eu gostava de política. Gostava da época das eleições. Já encarei votação como final de copa. Tive medo, tive raiva, tive a ilusão de que a solução mágica existia. Fui sonhadora, manifestante de carteirinha, cruzei a avenida Paulista em cima de um carro com uma bandeira do Brasil nas mãos quando ela era da esquerda. Eu era da esquerda. Assistia os debates e acompanhava os jogadores movendo suas peças no tabuleiro e achava alguns brilhantes. Não gostava de vários políticos mas gostava de política. Então trabalhei com marketing político em grandes eleições. O universo escola me levando para aulas que nunca quis e que só depois eu entenderia para que serviam.  Aprendi muito do jogo da política trabalhando nas campanhas e muito mais sobre gente, sobre mim e sobre você. Incapaz de atuar com o distanciamento necessário, não trabalhei mais no marketing político. Mas segui acompanhando os jogos, cada vez menos na torcida, cada vez mais distante do palco, do show, do circo da mídia. E vi a polarização chegar. Meu parente não era mais um pai, filho, tio, irmão mas um escroto, insensível, estúpido, um monstro que votava em monstros. O barco na tempestade de sempre agora sobrecarregado de gente em suas extremidades ameaçando rachar ao meio. Perplexa, entendi que não era mais sobre saber, sobre lógica, sobre fatos, sobre ter razão. Não era mais sobre falar. As pessoas exaustas tinham sido engolidas pelo jogo. Elas haviam se transformado nas narrativas e estas sempre nasciam de uma verdade pura, asséptica, sem sombras. A contradição estava morta. Os eleitores a haviam chacinado em nome de uma sedativa ilusão de certeza. Riscado o chão, que cada um se dirigisse ao lado bom ou ao lado mau da história. Sem ela, a contradição, todos havíamos nos tornado fachadas ideológicas sem alma, bottons na camiseta do candidato de lá ou de cá. Corri instintivamente para a metade do barco. Só porque, se alguma contradição tivesse sobrevivido, certamente seria ali.  Desgostei da política. Não falei mais de política. Vi o jogo degringolar inspirado pelo sucesso midiático dos extremos. Pequenos extremos cotidianos alimentados estrategicamente pelo medo e praticados de formas diferentes pelos dois lados. Às vezes penso em falar de política, de escolhas e decisões que consideram temas complexos, multifacetados, contraditórios, humanos. Não falo. Estou sentada no meio da embarcação ouvindo as madeiras se partindo, o mundo acabando, cercada de iludidos cheios de certezas.

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Para Pedro Dória. Do Meio.

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