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Mostrando postagens de agosto, 2018

Raiva Intelectualizada

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Existe uma agressividade embutida em estar certo. Sutil, maquiada de intelectualidade, subliminar, delicada como a ponta de uma agulha de insulina, uma raiva. Certezas podem ser o pedestal menos óbvio do ódio humano. Vejo a raiva escondida em frases que enquadram grupos de seres humanos dentro de grades de um saber teórico e os criminalizam. Banqueiros e líderes sem terra são necessariamente bandidos dependendo da cela teórica ao qual estão submetidos. A intelectualidade armada de argumentos cortantes não está aí para o debate mas para descarregar o ódio dos sem grana ou dos com terra. E, em geral, traz embutida uma falta de humildade atroz dos que não se percebem contraditórios. Um banqueiro e um líder sem terra podem sentar-se na mesma mesa e concordar sobre muitos assuntos. Talvez não sentem-se mais frequentemente na mesma mesa para não decepcionar a torcida furiosa que precisa de estereótipos confortáveis, não provocativos, que se viciou no ódio como o atleta na endorfina. E o m

Onde você está, amor?

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Raras vezes perguntei a ele “onde você está”. É uma pergunta que me incomoda. Tenho dificuldade  em compreender o seu propósito. Talvez queira saber onde ele está porque preciso de pão e quero entender se ele está próximo a uma padaria... Neste caso, prefiro perguntar: você poderia trazer pão? Talvez tenha havido um desabamento, um desastre natural, e eu queira saber se ele está seguro. Neste caso então, pergunto apenas: está tudo bem? Não consigo pensar na pergunta “onde você está” sem sentir nela um ranço de controle. Informar ao outro onde estou, onde vou, onde fui, sempre levanta em mim suspeitas de uma negociação entre controladores. E quando percebo que uma pergunta serve à minha necessidade de controlar o outro, perco imediatamente a vontade de fazê-la. Acho toda proposta de controle estúpida , simplesmente porque resulta inútil. Não há controle de fato e seria mais saudável para todos simplesmente aceitarmos isto. Sairmos da janela e abraçarmos a criança desesperada lá den

Tatiane

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Na internet circulam, fartamente disponíveis, imagens de Tatiane, 29 anos, sendo espancada na rua, no elevador, nos corredores, no dia em que seria lançada pelo marido da sacada do seu prédio. Esboça uma fuga, não consegue, volta para os braços do carrasco. Tenta fugir muitas outras vezes mas é tarde. Ele a arrasta, frágil, débil, como uma boneca de trapos. Revejo a vítima  conhecida que um dia, submetida pela necessidade de ser amada, completada, de não estar só, ficou tempo demais. A fuga  não é mais possível e a morte virá logo. Revejo um lugar onde já estive de forma bem menos dramática. Não apanhei e estou viva. Mas sei o que é negociar o inegociável para estar com o outro. Aquele vazio assustador quando ele se vai batendo a porta, muito mais intolerável que os abusos, os surtos de agressividade infundada, os abandonos recorrentes quando o olhar se perde nas outras como se inexistíssemos, as depreciações em público travestidas de humor. Sim, eu já fui abusada em alguns destes