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Mostrando postagens de fevereiro, 2015

Meu velho e minha velha

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Escultura Tatiana Franchi Ele está virando um senhor. Os cabelos escuros desaparecendo sob os brancos. Está ficando a cara do pai, prenúncio do velhinho que será daqui uns dez, quinze anos. Vamos lado a lado, testemunhando a metamorfose um do outro. As rugas que abismam, as barrigas que vão avançando, os ouvidos moucos, as picuinhas e manias que assomam. Meu homem está virando meu velho. A maturidade conquistada nos esbarrões, autorizou o riso mútuo diante das nossas limitações e esquisitices. Já sabemos calar as coisas que não precisam ser ditas. Já sabemos o que não esperar, o que não pedir. Vamos juntos vendo a pele e os músculos arriarem enquanto a condescendência se fortalece. E acho bonito o velho que vai chegando nele. Com o grisalho, veio uma camadinha de serenidade que lhe caiu muito bem. É meu cúmplice firme e, do seu jeito, meu porto seguro. Sabe ser piloto e coadjuvante. E também é o cão chupando manga de mau humor. E ronca. Ele está virando um senhor e penso que é mai

E a sua mãe também

Eu transei sem camisinha, sim! Eu, a sua mãe, a sua irmã e as suas primas. Nós todas já cometemos este deslize, SEU BABACA. E havia um homem envolvido, a gente não transa sozinha. Muitas vezes um cara estudado, diplomado, como você, que não tinha ou simplesmente não quis usar camisinha. E eu devia ter me lembrado de que, apesar de toda maquiagem, eu vivo num paiseco sul americano religioso e machista de filhinhos homens da virgem! Nossa Senhora. Eu devia ter tido força e autoestima e ter mandado aquele homem à merda. Eu devia ter usado camisinha. Eu devia ter me informado antes de transar pra saber que ia me foder sozinha. Eu não tinha ideia, seu grande e diplomado BABACA, que se eu ficasse grávida, eu estaria total e absoluta e cruelmente sozinha. E eu tenho só dezenove anos. E eu sou pobre. Quando vi que tinha ficado grávida, fui atrás do macho reprodutor pedir ajuda. Ele fez o que 5,5 milhões de machos que não constam na certidão de nascimento dos seus filhos fazem no seu país: pul

Dia de queimar a bruxa gay

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Prezados amigos, colegas de trabalho, vizinhos, passantes, senhoras e senhores deputados, venho a público revelar ao Brasil que sou gay. Já posso ouvir ecoando da minha janela uma sequência infinita de óóós. Brotam do liberalismo hipócrita do brasileiro que coloca a criança pra assistir um desfile de carnaval onde as mulheres expõe o corpo como carne num açougue, mas tapa os olhos dela se dois homens passam de mãos dadas.  Óóóó! era uma senhora casada, mãe de família, tinha uma reputação imaculada. Pois, não sou mais, acabou. Sou gay. E não teria nenhum problema em namorar uma das mulheres fantásticas, inteligentes, sensíveis, gostosas e homossexuais que conheço. Seria muito feliz ao lado delas e sei que elas seriam mães maravilhosas para os meus filhos. Sei, senhoras e senhores, porque as conheço. Então, sou gay. Só quem não tem um amigo gay, é capaz de rejeitar o homossexualismo como possibilidade. Eu sou gay e nada muda para quem me ama. Nada. Mas, seguramente, para algumas das sen

A Seca Dentro

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Maria não entende esse negócio da água acabar. Segue ensaboando os pratinhos com a torneira aberta. Se fecha é porque a patroa entrou na cozinha. Não entende. Obedece, só. Não é maldade. Maria não consegue alinhavar a coiserada que a patroa fala. Estes assuntos não cabem na cabeça dela, então finge que enfia por uma orelha e deixa escapulir pela outra. Lá no bairro onde mora, estão racionando água faz tempo. Um dia com e dois sem. Maria não entende a lógica ou o tamanho disso: só obedece. Usa a água quando tem, e quando não tem, não usa. Alguém determinou assim, ela cumpre. Percebe tanta gente numa reclamação sem fim. Não reclama, não se importa. Já carregou tanto latão de água no Norte. Quilômetros. É a vida. Aqui as pessoas são mal acostumadas. A patroa vira as costas: ela abre a torneira. Quem só obedece, carece de desobedecer. Não é maldade. Maria nasceu num país onde pensar não tem valia. É ir levando a vida no imediato. Por isso, escola é tão desimportante. Pensar é chato, o pov