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Manifesto do Eu Sozinho

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Eu gostava de política. Gostava da época das eleições. Já encarei votação como final de copa. Tive medo, tive raiva, tive a ilusão de que a solução mágica existia. Fui sonhadora, manifestante de carteirinha, cruzei a avenida Paulista em cima de um carro com uma bandeira do Brasil nas mãos quando ela era da esquerda. Eu era da esquerda. Assistia os debates e acompanhava os jogadores movendo suas peças no tabuleiro e achava alguns brilhantes. Não gostava de vários políticos mas gostava de política. Então trabalhei com marketing político em grandes eleições. O universo escola me levando para aulas que nunca quis e que só depois eu entenderia para que serviam.  Aprendi muito do jogo da política trabalhando nas campanhas e muito mais sobre gente, sobre mim e sobre você. Incapaz de atuar com o distanciamento necessário, não trabalhei mais no marketing político. Mas segui acompanhando os jogos, cada vez menos na torcida, cada vez mais distante do palco, do show, do circo da mídia. E vi a pola

Vale a pena?

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Vale a pena o ser humano? Vai se extinguir? Vai acabar? O planeta vai engolir? Vale a pena existir? Eu queria poder te contar que a gente vai recriar o caminho e cada um no seu sozinho vai se saber junto. Eu queria te contar que a gente não vê, mas viver não é só isso. Eu queria te acordar para o mistério onde sua grandeza dorme e esta aventura de enxergar através do pequeno. Eu queria ser algum Deus pra te fazer sonhar com todos os seres humanos o mesmo sonho onde você não se confunde com a matéria e abraça a matéria como escola. Eu queria te contar que acaba mas não acaba, então o fim não é solução e a morte faz parte do jogo como a cor dos seus olhos. Vale a pena o ser humano? Vai se extinguir? Vai acabar? O planeta vai engolir? Vale a pena existir? Eu queria não te fazer pensar mas te fazer sentir. Tudo vale se você escolher o amor pela oportunidade de jogar e escrever a história com amor mesmo na hora de acabar. * * *

Eu e a Rosa

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Definitivamente eu não vim entender. Não me interessa, entender. De onde viemos, para onde vamos? Não me interessa. Estou só jogando o jogo. Acordo e jogo porque é tudo que há. O jogo. Mesmo quando questiono, quando desconfio, quando fuço, quando empaco, quando explico... é o jogo sendo jogado. E está bom pra mim que seja assim. Não perdi nada, de fato. Não vou levar nada. Não faço ideia realmente e não saberei realmente o que é. Está dado que funcione assim, seja você o gênio, o iluminado ou o tolo. A ignorância vai estar sempre lá nos convidando a uma realista humildade. E eu preciso mais de beijos na boca do que de algum poder e certezas temporárias. O momento, a experiência, a pele... aqui mora meu divino. Teorias? Só quero os pensadores que brincam de saber. Acordo meio atordoada e desço para o playground trágico da existência. Todos os dias. E vivo com o mínimo de pretensão possível, com o máximo de presença. Sem entender ou explicar porque escovei os dentes, cocei as costas, ves

Riomar

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Estou ficando menor... cada dia menor... cada aprendizado menor... descascando pretensões, vaidades, ilusões, coisarada que catei no caminho de crescer. Tirando das costas o fardo pesado de encontrar a paz suprema, a felicidade suprema, o eu supremo.  Já quis ser grande, primeiro no mundo material dos bem sucedidos, depois no mundo espiritual dos iluminados, já medi com régua minha bondade, já contei minhas virtudes como se fossem joias, já me vendi demais no mercado de gente que vale a pena. E, quando me vi, eu era só um cabide de tudo aquilo que eu devia ser. E cada penduricalho era uma mentira me puxando para o chão. Reflexos do que faltava, remendos na roupa importante e salvadora que sequer existia. Estou ficando menor... cada dia menor... cada aprendizado menor... Só o personagem da vez nesta ficção e sua mala única. Talvez este dia me traga uma dor de cabeça, a indicação para um prêmio, um carro roubado, um grande amor... Serão tão bem vindos ou malditos quanto um rio que corre

Viagem

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Há dias em que todos os semáforos estão abertos: o carro flui magicamente. Os outros saem da frente e o mar se abre como se fossemos Moisés. Nada é pesado demais, nada é longe demais, nada é demais. Os fantasmas estão distraídos brincando no playground. Se sabem amados. Nada te arrasta, nem o medo, nem a esperança... porque amanhã não existe. Só esta rua e este destino próximo de uma coisa besta para fazer como chegar em casa. Nem mundo, nem gente pra consertar. Só o meu caminho único e seus desconhecidos. Nenhuma grandeza a buscar, nenhuma fragilidade da qual fugir. Apenas o carro andando e parando e andando de novo rumo a um lugar efêmero, um galho onde pousar. E esta imediata gratidão pela possibilidade do pouso, pelo acolhimento eterno do mundo estrada afora, pelas pousadas delicadas que muitas vezes escolhemos não ver. Hoje, todos os semáforos estavam abertos quando entendi que não estava indo a lugar nenhum. E, no vazio onde boiava, senti que nunca estive só. Uma preciosidade est

Sem lodo

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Saiba você que eu também afundo. Eu, a mulher sorridente da foto nas redes sociais. Tenho olheiras. Você não as conhece porque aqui, nas redes sociais, sempre estou esterilizada por um corretivo. Tem dias que me arrasto, que ando feito um autômato, que me afogo em pensamentos ruins. Nestes dias não faço selfie. Nem suporto me ver na tela do celular. Os cabelos brancos aparecendo nas têmporas. As manchas na pele. Tudo grita em alta definição e mais megapixels do que minha autoestima suportaria. Mas quero que você saiba: eu também afundo. Eu, a mulher das palavras bonitas? Tem horas que estou tão muda que escuto o meu vazio. Tão assustada que me julgo incapaz de atravessar uma rua. Tão perdida que nem sei mais onde mora minha vontade. Nestas horas não gravo vídeo. Se pego o celular é pra me anestesiar com conteúdos banais e fugazes. Coisas que não tenham poder nenhum de resvalar numa ferida. Risadas ilusoriamente gratuitas que custam minha distração de mim e do que não posso mais. Mas pr

Pé Sem Pé

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Aonde vão os pés de meia que desaparecem? Não posso conviver com esta incógnita. Debruço-me sobre a bacia de plástico onde eles moram: os pés de meia abandonados. Tudo estava tão certo, eram tão iguais um pé e outro. Mas, do nada, inexplicavelmente, absurdamente, um deles se foi. Dissolveu-se no ar. Transportou-se para outra dimensão. Não está na casa embora não exista meio de ter saído. Já busquei em cada canto improvável do guarda-roupas e até mesmo em locais menos estudados como atrás da máquina de lavar. Fui além e num impulso desesperado procurei nas gavetas da cozinha. Tamanha minha incapacidade de aceitar a tragédia do pé de meia desaparecido. Exausta, sentei-me no chão da área de serviço e chorei. Dentro da bacia de meias sozinhas uma metáfora gritava  para mim sem saída: por que anda tão  impossível o amor? * * *