Raiva Intelectualizada

Existe uma agressividade embutida em estar certo. Sutil, maquiada de intelectualidade, subliminar, delicada como a ponta de uma agulha de insulina, uma raiva. Certezas podem ser o pedestal menos óbvio do ódio humano. Vejo a raiva escondida em frases que enquadram grupos de seres humanos dentro de grades de um saber teórico e os criminalizam. Banqueiros e líderes sem terra são necessariamente bandidos dependendo da cela teórica ao qual estão submetidos. A intelectualidade armada de argumentos cortantes não está aí para o debate mas para descarregar o ódio dos sem grana ou dos com terra. E, em geral, traz embutida uma falta de humildade atroz dos que não se percebem contraditórios. Um banqueiro e um líder sem terra podem sentar-se na mesma mesa e concordar sobre muitos assuntos. Talvez não sentem-se mais frequentemente na mesma mesa para não decepcionar a torcida furiosa que precisa de estereótipos confortáveis, não provocativos, que se viciou no ódio como o atleta na endorfina. E o mais danoso é que muitos só enxergam a fachada pintada de certezas e a necessidade de mantê-la incólume, imaculada. Enxergassem atrás dela suas frustrações, suas raivas, sua autoestima fuzilada, se saberiam indivíduos e estariam mais próximos dos indivíduos do lado de lá: banqueiro, sem terra, gay, militar, liberal, socialista, evangélico. E aposentariam os rótulos, os conceitos fluidos, que definem e aprisionam, em nome da escuta que acolhe e respeita o que não é espelho.
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