Nonada

Prazer no nada. Nonada é a minha casa. Casa de quarto e sala
e um banheiro bem mínimo. Sem cargo, função, listas de ter e fazer. Sozinha boiando
num silêncio indecente. Sem perspectivas que avancem para além de criar o
jantar. Sem roupas na mala que durem para além de dois dias. Sem semana que
vem. Prazer que sobe pelas pernas a cada casca morta despregada da alma. Prazer
obsceno do corpo nu vestido só de essência. Sensação de estar pronta desde o
começo, de bastar. Descoberta surpreendente do simples depois do nevoeiro das
complexidades. Descoberta pacificante de que fui eu quem desenhou o labirinto
que atravessei e sempre soube a rota a seguir. Fui eu quem planejou cada beco
sem saída e concordou em esquecer o mapa em nome da aventura de viver. Fui eu quem salpicou as minas terrestres, os
cacos de vidro, os oásis, num projeto generoso de evolução. Eu criei a
complexidade para sobreviver a ela, desmistifica-la e voltar leve, imaterial, imprevisível,
para Nonada.
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