O Pequeno Príncipe e a Cobra

Eu tenho 16 anos. Tinha. Estou morta. Enforquei-me no banheiro da casa dos meus pais. Escrevo aqui através dos dedos de minha mãe. Eu nunca escrevi bem, deu-me um trabalho grande minha carta de despedida que reescrevi muitas vezes e, mesmo assim, sei que ficaram erros perdidos em algumas linhas. Esperei que o coração de minha mãe se acalmasse um pouco, então pedi a ela que me emprestasse seu dom uma vez para que eu dissesse a todos vocês que choraram e choram, que se assustaram, que ficaram perplexos, que perderam o chão: morrer é um direito de quem nasce. Viver não é obrigatório. Viver não é para compreender, é para ser bom. E para ser suficientemente bom, em algum lugar tem que bastar estar vivo. Sem enfeites, penduricalhos, sem fazer nada, sem ter nada... Tirar tudo de cima, mergulhar no vazio, na solidão, no possível e encontrar o prazer de viver, de estar conectado. Quem fica é porque encontra. Morrer também não é para compreender. Muitas teorias sobre minha morte vão caber e nenhuma vai bastar, não há resposta. Caminhei para ela com a clareza da minha vontade, tive medo de fazer, tive raiva de ter medo e esperei muito o momento exato. Não era um drama. Para quem pude dizer, sabendo que me ouviria sem me impor seus próprios terrores, eu disse. Tive tudo, até estes ouvidos fraternos que me acolheram e me aceitaram e me amaram na minha vontade de não ser. E foi suave. Deve ser difícil pra muitos de vocês imaginar. Foi suave. Para quem conseguiu olhar sem véus nos olhos, estive pendurada num toalheiro mais baixo do que eu, com as pernas dobradas e uma expressão de paz no rosto. Sei que minha mãe teme ao escrever isto. Tem medo de banalizar a morte para meus amigos que ficam na peleja, pesada para alguns, de existir neste mundo. Teme pelos meus irmãos. Não tema, nossa mãe. A morte nunca é banal e está inscrita dentro de cada um. A minha, eu sempre soube como seria. E você, nos momentos de eternidade que às vezes te abraçam, também sabe. Estamos juntas nesta compreensão e isto tornou tudo mais leve para mim. Ouvi quando você me disse, na espera daquele hospital: só volte se estiver arrependida. Sua aposta integral na minha história, fosse o que fosse. Você abriu a mão e eu segui com firmeza rumo à única possível felicidade que enxerguei. E uso seus dedos neste teclado para fazer da minha morte uma janela no fluxo do infinito. A morte é tão linda e tão sagrada quanto o nascimento. Eu não sabia disso. Eu era só uma menina de 16 anos que nunca se conectou verdadeiramente à vida e se permitiu buscar além. Lembram da história do Pequeno Príncipe e da cobra? Não carreguem a tragédia do corpo do menino esfriando sobre a areia do deserto. Escolham colocar no céu, no inexplicável para onde todos iremos, a companhia das risadas. 

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Celina.

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Comentários

  1. Sua força é algo que me faz erguer a cabeça sempre. Não sei até onde irei, mas espero ter pessoas como você ao meu lado.

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  2. Fica em paz, Celina! Eu chorei, muito, por mim, por ti, por teus pais e teus irmãos. Mas entendi e até já te defendi, pra quem não tem coragem de olhar no precipício e entender que a vida é escolha, como tua mãe disse aí. Vai. Siga tua luz e, se der, ilumina a gente aqui nos momentos de sombra.

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  3. O que mais ela precisava era ouvir"só volte se estiver arrependida". SEMPRE FORTE e buscou e teve a paz! Me lembro da primeira aula com Celina.
    Receba meu abraço fraterno.

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  4. Vocês são especiais, Celina e Nanna, obrigada por tanto nos ensinar. "só volte se estiver arrependida"... essa frase vai ecoar para sempre na minha vida.

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  5. O meu pai sempre disse para nós. "O primeiro presente vem com o seu último presente, cabe você abrir na sua hora."
    Fique em paz Celina onde estiver e aos pais, irmãos, amigos ame o primeiro presente o máximo que desejarem. Beijos

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. lindo texto nana, saber que ela está em paz me conforta muito, só tenho lembranças boas com minha querida amiga, ela sempre será lembrada e amada por todos que um dia tiveram o prazer de a conhecê-la. a felicidade dela é só o que importa, quero que ela seja feliz e se foi assim que ela a encontrou, assim será. a felicidade dela é minha felicidade. pra sempre amiga, filha e irmã <3

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  8. Recebi seu texto e seu áudio por meio da Sheylli e como me impactou por ser mãe de uma adolescente de 15 anos. Acreditamos ter o controle de tudo, mas não temos. Não conseguimos decidir a vida de nossos filhos, infelizmente. No momento que deixam nosso ventre é uma outra vida. É uma dura constatação e aprendizado. Sinta-se abraçada e obrigada por compartilhar tudo isso.

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    1. Muito obrigada por me deixar saber que tudo pode ser transformado em reflexão e crescimento.

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  9. Querida Carla. muito obrigada.

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  10. Nana, querida, li o texto há alguns dias e demorei para responder. Na verdade queria apenas poder te dar um abraço longo e apertado. Luz para todos aí, amiga querida. E beijo grande com muito amor. Carlos

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  11. Anônimo2/8/21 18:51

    Lindo! Chorei lendo, muito profundo!

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  12. Querida Nanna, seu primo Ricardo Silveira me falou de você há algum tempo e acabei lendo muitas coisas suas. Hoje acabei vindo parar aqui e me deparei com esse texto. No último dia de 2019 meu irmão tomou essa mesma decisão e da mesma forma da sua Celina. Nesse tempo venho refletido bastante a respeito, confesso não ser fácil. Que ambos estejam em paz e cercados de muita luz. Um beijo no seu coração.

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    1. Olá, desculpe a demora em responder. Dias difíceis para nós. Tenho procurado menos explicação e mais aceitação. Não é fácil, mas sinto que há mais paz em abraçar o mistério e apenas escolher o amor e não o medo. Sempre. Obrigada pela visita. Se acreditarmos na sabedoria tão visível do universo saberemos que seu irmão está bem.

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  13. Nanna, hoje vim ler seu blog que há meses não lia e queria te dizer que não sabia o que vcs passavam, deixo aqui meu abraço e carinho para vc e o Sérgio, diga que vou ligar pra ele...muita luz nesse momento, que o Eterno esteja com vcs. Luciana

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    1. Muito obrigada Luciana. Desculpe a demora em responder!

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  14. Anônimo7/5/22 18:24

    Que triste era Celina...Mas eu a entendo... não vale a pena ter nascido.. a vida é insuportável.

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  15. Te encontrei no YouTube e desde então fico encantada com seu olhar para te e pro mundo a sua volta. Conectar sua alma aos fazeres ordinários de cada dia é para poucos. Sou psicóloga e atuo no nicho do comportamento autodestrutivos, autolesão, luto por suicídio. Gostaria que soubesse que tem construído em mim um outro olhar. Teoria, prática e vivência. Parabéns por fazer arte com sua existência. Obrigada

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  16. Sendo o Amadurecimento um algo que aparentemente todos buscamos: Parece que você e sua filha o encontraram... Ela, como está explícito, já fez o (uso) dela, durante sua vida, literalmente até o fim. À maneira dela. Faça você também o seu, e obrigado por compartilhar essa intimidade!

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