Looping
Lá vem ela outra vez, cansativa. Sempre aquele arremedo de
ser, de sentir, de estar. Lá vem ela, repetitiva feito um cacoete. Buraco negro
devorador de energia vital. Lá vem ela: um dia vítima, noutro carrasco e,
amanhã, vítima de novo. Ela e sua infelicidade ensaiada: não pode decifrar-se e
perder o palco. Tantos figurinos de tragédias que precisaria jogar fora: bordados
a mão dias e noites a fio com linhas grossas, escalavrando dedos, consumindo
córneas. Mortalmente lindos. Então, lá vem ela mais uma vez: disco de vinil
arranhado tentando arrancar segundos de atenção de um transeunte que ainda não
aprendeu, mas aprenderá... é tudo solidão espetacular. Ela e o eterno retorno do que não
tem saída. A boneca sem braço, o abraço que a mãe não deu, a pobreza, a ausência, o abuso: tudo que na escassez
virou brinquedo. Dançando diante da porta em vez de abri-la. Lá vem ela
descascar a ferida que não pode curar ou a esmola não pingará no pires. Ela que nasceu para remediar e não para ser feliz. Ela que morrerá se você for
feliz. Lá vem ela, a minha, a sua neurose, determinada, disposta, a sobreviver
e nunca amar e ser amada.
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