Platão e o Macaco Pelado
Amiga, li sua postagem na rede social na qual você explicava seu prolongado e notado silêncio. Você, sempre tão generosa em palavras lúcidas, tinha jogado a toalha, desistido de piscar a bunda do seu vaga-lume. Eu, acostumada a me orientar pelas suas piscadas distantes, senti o golpe. E corri para o meu caderno onde, em momentos críticos, incorro no anacronismo de escrever a mão, e onde poetas de outra dimensão me socorrem com respostas. Queria ser capaz de escrever algo que te animasse a meter de novo o dedo no interruptor e reacender a lanterna vital neste imenso breu. A caneta, em modo psicográfico, escreveu no papel: Platão. Sabe o cara que viveu há mais de quatrocentos anos antes de Cristo, o grande filósofo que bebeu em Sócrates e ensinou a Aristóteles? Então, amiga, ele já nos avisava da cegueira humana no seu texto “O Mito da Caverna”. A maior parte de nós, macacos pelados pensantes, nasce e morre dentro da caverna. A maioria não conhecerá outra realidade. Nada de sol sobre a pele, cheiro de floresta úmida, nada de vento balançando os cabelos, nada de pétala carmim com textura de seda. Nada de paz. Nasceremos e morreremos dentro do buraco escuro, supostamente protegidos, mas hipnotizados por sombras bruxuleantes que a luz de uma fogueira projeta nas paredes. Platão entendia de gente e de metáforas e parece que mudamos pouco nestes quase dois mil e quinhentos anos, de lá pra cá. Percebe quantos do seu lado seguem perdidos nas sombras na parede, chamando isso de vida? Fascinados e apavorados pelos desenhos que seu próprio corpo produz ao interromper a luz do fogo? Então querida, alguns acordarão quando você se aproximar e sussurrar suas palavras tão necessárias nos seus ouvidos. Mas muitos verão apenas a sombra do seu corpo na parede, deformada, incompreensível, e a chamarão de medo. E o medo ensurdecerá os ouvidos e a incapacidade de entender criará o ódio e o desejo de matar o carteiro que trouxe a mensagem. E você está cansada, eu sei. Mas, te imploro: não desanima, segue para o próximo ouvido. Por que precisamos desesperadamente de cada ser humano que pudermos acordar. Por que estes poucos acordados são os guardiões da delicada lucidez que protege o planeta e resguarda o ser humano de si mesmo. Somos os que domesticaram o fogo e fomos traídos pela fogueira dentro de nós. Não éramos maus, éramos só bichos tentando sobreviver, mas no trajeto entre o animal e o divino muitos se perderam sem volta. E um macaco pelado pensante está agora mesmo diante da parede em transe e assustado à espera da sua compaixão humana. Entrega seu cansaço no colo da sua humanidade e volta para o front com suas palavras.
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Para Ivana Mihanovich
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