O Imponderável

Está difícil andar no fio da navalha entre a fé cega e o conhecimento que machuca. Há sempre um lugar no meio onde a temperança nos aguarda, mas há tempos vivemos em dramáticos extremos. Há gente que precisamos assustar para que se cuidem, pois há quem só enxergue quando a vida o estapeia. E para estas é preciso desenhar a tragédia em detalhes e repetir diariamente feito mantra. Portadores da perigosa cegueira da ignorância, há que esfregar-lhes a morte no fuço para que não saiam, não se arrisquem, não morram, não matem. Mas há também um excesso de saber que desestabiliza. Uma curiosidade mórbida da mente que quer ser alimentada com todos os ângulos possíveis da tragédia. Uma necessidade de negar o imponderável e ter certeza inabalável sobre o futuro. Por que a mente não quer que você sobreviva, ela apenas precisa saber tudo sobre a sua morte. Nada mais aterrorizante para a ela que o susto: o desastre fatal que pula de trás do muro num dia de sol. Tranquiliza-se mais na desgraça prevista que na incerteza. E, sem querer de forma nenhuma relativizar o valor da ciência, principalmente neste momento de caos, quero exaltar o desconhecido, o poder do surpreendente. Super-venenos geram mortes, mas também super-humanos. Nenhum jogo está ganho, nenhum jogo está perdido. A verdade, felizmente, é dinâmica e a história está cheia de abismos e voos insuspeitos. Somos flexíveis, adaptáveis, isto nos faz sobrenaturais. Então te convido a não endurecer, a não quebrar, a balançar como as árvores na ventania. Lá fora está a pandemia: ela é real, matemática e previsível. Então, lave as mãos, fique em casa. Mas, em breve, dentro de você, uma janela de emergência se tornará visível. Ela leva a outro universo, onde somos magos, onde somos energia, onde o imprevisível opera. Esta janela só se abre com as pontas dos dedos da morte, e não é fácil, eu sei. Mas eu desejo que você possa olhar através dela, sem os óculos escuros da mente. Por que descobertas impensáveis vagam do outro lado, sobre o mundo, sobre você mesmo. Ainda indecifráveis, mas atravessadas pela inexplicável paz de sermos eternos.  
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