Devorem-se a si mesmos


No alto da Terra Brasilis, no meu coração e ao meu lado, duas palavras,  permissividade e tolerância, se debatem. Se combatem e se confundem nos corações cheios de ódio do meu povo. Porque fomos e somos permissivos. Porque toleramos o intolerável. É histórico. Toleramos violências, abusos, demais. Assim a tolerância deixa de ser civilizatória e torna-se permissividade barbarizante. Deixamos falar, deixamos roubar, deixamos bater e o elástico já foi esticado demais. Deformou-se. Perdemos a noção do inegociável. Desta dor, tristemente, nasceram carrascos da tolerância cheios de razão. E qualquer negociação com o lado de lá tornou-se criminosa. E qualquer palavra do inimigo tornou-se veneno. Tudo virou duelo e estamos autorizados pela mágoa a atirar primeiro ou atirar o mais rápido possível. Refletir virou luxo dentro da trincheira. E nós (todos nós) que fomos e somos permissivos historicamente com abusadores, estamos autorizados enquanto vítimas a alguma intolerância com o diferente. E é tudo uma coisa só. Uma cola só que nos une e nos imobiliza. E dói em mim porque não haverá vencedores. Só a raiva humana, alimentada de frustrações, impotências, desamores, se refestelará neste banquete. Com dentes podres, ventre hipertrofiado, olhos injetados de infelicidade, só a miserável e individual raiva humana comerá nesta festa aplaudindo o eterno espetáculo em que a humanidade devora-se a si mesma.
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Comentários

  1. Olha, acompanho discretamente a Senhorita e nunca ma manifestei, mesmo nos mais profundos textos, porém hoje preciso dizer que, lendo esse texto, caiu a ficha: Mordemos a isca que colocaram pra nós... Tanto nos preocupamos com o rio que poderia secar que esquecemos outra forma de autodestruição... Jogaram iscas de ódio e nos convidaram para o banquete...

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    1. Oi Marco... pois se manifeste mais. É bom saber que não estou só aqui. Obrigada!

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