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Mostrando postagens de dezembro, 2018

Torturante Dezembro

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Torturante dezembro de qualquer ano: mês de rituais festivos obrigatórios, compromissos, retrospectivas, expectativas, mês do fim das coisas e da minha chegada ao mundo. Família reunida, uva passa, peru com farofa, presentes... E eu emborcada no meu estranhamento. Sobrevivo ao Natal sem grandes performances: comporto-me bem à mesa falando futilidades, bebo vinho demais, como em excesso para me distrair numa overdose dos sentidos. Tento dormir cedo. Frustro minha filha que quer receber o presente à meia noite. Tenho a meu favor o fato de ter montado a árvore com seus enfeites e luzinhas, também comprei presentes para os mais amados e encomendei a ceia. Minha filha me perdoa e fujo para as profundezas do lençol. Venço a primeira etapa e sigo para o segundo round: meu aniversário. Que criatura abominável se esconderia no próprio aniversário? Sim, estarei na estrada como quase sempre ou em algum lugar simplesmente longe. Aquele climão de fim e eu com este encargo de renascer. Dou meia v...

Kafka Brasil

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Do livro "My First Kafka" Acordo no Brasil kafkanianamente transformada em uma barata ideológica. Não entendo como tudo aconteceu tão rápido e em uma noite apenas deixei de ser gente e virei um bicho tão i-mundo. De repente, minhas antenas não entendem mais os discursos saudáveis dos líderes do país. Capturo palavras soltas. Parece que falam de uma ameaça comunista. Esforço-me com meus ouvidos de barata para entender... não consigo. Tentam me alertar ainda de um perigo nas escolas... Depois de muito fustigar meu cérebro de inseto, entendo que tem a ver com sexo... Velhos de cabelo muito tingido mexem suas bocas buscando se comunicar com a barata ideológica que me tornei... as frases chegam até mim como zumbidos e chiados... Parece que Jesus está envolvido em algo... Jesus, comunismo, sexo, escola, ameaças... Faço um esforço supra-humano para juntar as palavras num contexto lógico. Não consigo.  Coloco minha cabeça de barata na janela e tento ver algo lá fora que faça alg...

Ode ao Cão

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Carrego presa à coleira esta parte fundamental de mim: o cão. Nela encapsulada meu bicho esquecido. Face minha que apaguei para viver em suposta paz e abundância entre os da minha espécie. Cuidei de mantê-lo perto quando ainda era lobo. Cuidei de mantê-lo junto para nunca me esquecer de quem sou. Salvaguarda da minha natureza duramente domesticada.   E quanto mais me afastei de mim, maior se fez meu amor por ele.   Disfarcei-o em objeto dócil do meu lar, adaptado ao meu estilo, e projetei nele toda sorte de humanidades que ele suportou alegremente. Mas não é esta submissão que me fascina, pelo contrário, é a barriga sempre encostada ao solo, o olhar perdido de quem ainda sabe enxergar com os ouvidos, a contemplação meditativa do nada com a cabeça abandonada no chão, o despudor de rolar as costas brancas no barro e a capacidade superior de perseguir rastros invisíveis. É o que fui.  Ele é minha alma animal esparramada na grama, quarando ao sol, indiferente às catástrofe...