Doce e Sal
O limite entre a simpatia e a hipocrisia é linha tenue. E, às vezes, é preciso gritar bem alto o que
todos susurram baixinho. Sempre atenta ao ser humano, desenvolvi em mim a
extrema capacidade de saber o que ele sente, o que espera e o que topa. Assim aprendi seu apreço irracional pelas embalagens. Como publicitária, embalei
coisas e gentes para que tivessem permissão de entrar na tua casa. Emprestei
minha poesia a carros e minha oratória a presidentes, ensinei empatia ao
antipático, vesti camisa azul no embotado e escondi sindicalistas grosseiros
atrás de uma borboleta. Tentei te alertar contra mim mesma através da sinceridade
desinteressada da arte. Mas aprendi que na arte eu te ofereço minha verdade e você
foge e na publicidade eu te dou mais entorpecimento e você me paga caro. Então,
por muito tempo, contribuí ativamente na construção desta ilusão sob teus pés. Uma ilusão combinada entre nós. E fomos hipócritas juntos, ligados por mentiras e
silêncios pactuados e até chamei isso de felicidade. Mas fui acordada com o estrondo do desastre onde nos
metemos juntos quando as embalagens se romperam. E não quis te fazer outras. E decidi enfim gritar no teu ouvido: o super homem não existe, o salvador da pátria não existe,
o iluminado não existe e nem a porta mágica para qualquer salvação, o amor é
uma peleja, o sucesso, uma sucessão de aprendizados, a meta, uma escada
infinita, o bicho humano, uma criatura
contraditória e frágil, a iluminação, um farol que gira no meio do seu próprio
coração com intervalos de breu. E toda ilusão é uma escolha tua. Vem beber dos milagres possíveis, joga fora a seringa das hipocrisias doces.
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