O Mal de Volta

Então a maldade mostra os dentes no nosso café da manhã.  A maldade se esparrama feito dona da casa pelos talheres limpos e pratos brancos da mesa e se enrosca tal qual serpente no vaso de margaridas. Não é mais privilégio dos bandidos de ontem que tinham a decência de ficar pra lá do muro. De repente, a vilania está na cabeceira da cama vestida de rendinhas, sorrindo. É meu irmão, minha mãe, meu tio, meu amigo de ontem cruzando a sala de estar com um broche do mal espetado na camiseta. É a inocência de todos sendo exterminada a golpes de facão enquanto o mal senta-se no trono e confronta poderoso a nossa ilusão de paz. Não é um sujeito, dois, um milhão de sujeitos...  É o mal em si que esperou tanto tempo na sombra hipócrita das nossas mentiras confortáveis. É o mal que tentamos calar no sacrifício de alguns grosseiros primitivos incapazes de fachadas politicamente corretas. O mal que ficou em silêncio enquanto criávamos deuses e desdenhávamos os demônios supostamente sufocados dentro. O mal a quem negamos o lugar de mestre e que agora deixa o quartinho dos fundos e vem perfumado, vestido de gala para o jantar em família. Ninguém está mais a salvo. Ninguém nunca esteve a salvo. Pobre arrogância humana que quis confinar o mal no outro e exterminá-lo. Pobre ignorância humana que insistiu em subjugar o mal sem acatar seu direito de existir. Pobres de nós chocados com a dança impensável do amor com o ódio que se instalou subitamente no nosso quarto de dormir. Uns gritam que é a morte disfarçada, eu digo que é só o mal cobrando nosso abraço para só então se recolher. 
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