Acabou o Raso
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Esculturas de Jason deCaires Taylor |
Desculpe-me, não sei se é a idade, mas sou daquelas pessoas que se afogam no raso. Não me chame para o raso. Até as pequenas coisas, como aquela flor mixuruca que brotou ali entre os blocos de cimento no meio fio, carregam um abismo de significado e beleza. Se você estiver afim de ver. Se você não estiver com pressa, como sempre. Verdade, para se aventurar em novas camadas você precisa de tempo, de silêncio, de foco, de menos. Senão, amigo, viramos surfistas da superficialidade. Falando de grandes transformações que precisam do mergulho com os tornozelos molhados pela água da margem. Gritando para os coitados, que se afogam neste tempo de grandes dores, confortáveis e cheios de conteúdo, lá na margem. E isto não serve mais. Então, tenho que informar-lhe: a casa caiu, o bicho pegou, não me chame para o raso. Faz meio século que me sentei na cadeira desta escola chamada mundo, não posso mais dar desculpas para ficar com você na superfície. Fingindo que te escuto. Fingindo que te digo. Fingindo que te respeito. Blefando. Afogo-me na hipocrisia dos valores de fachada, da ética de fachada, do amor de fachada. Afogo-me como um peixe que morre asfixiado numa foto de um pescador sorridente no Facebook. Arrancado do profundo para alimentar o ego e não o estômago. Desculpe-me, não vou alimentar seu ego. Não vou me afogar nos rasos que te poupam da beleza de suas fossas abissais. Não me chame para o raso. Não posso mais. Caminha inteiro para dentro do lago ou calça seu medo e deixa as minhas águas.
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Uau!!! Essa deveria ser usada como cartilha em todas as escolas onde pessoas dizem que aprendem a se tornarem seres humanos; homens e mulheres que formarão a população do futuro.
ResponderExcluirObrigada Chicão. Você é da turma do mergulho!
ExcluirUaU II, Maravilhoso texto!
ResponderExcluirUma réstia de luz e entendimento do que sinto, no meu quase meio século.
Grata! Já sua fã!
��
Obrigada pela visita. Venha sempre!
Excluirmagnífico , não nos sentimos mais sós....lindo lindo!!!!
ResponderExcluirVera querida, que frequenta o fundo do meu oceano!
ExcluirIndefectível sua reflexão! Também me afasto cada vez mais da margem, me agarrando a um escafandro de coragem... mas à superfície não permaneço mais.
ResponderExcluirIsso querida! O mundo está exigindo mergulhos!
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