O coxo dança
![]() |
Garrincha |
Na integridade do meu coxo, vou buscando o meu existo. Na verdade do meu manco, distribuo fartos esbarrões em gente querida. Sinto a culpa avançar sobre as pernas em contrações musculares, como sempre, na intenção de devolvê-las retas à correta e aprovável colagem de cacos de mim. Barro com o braço. Defendo meu coxo e seu incômodo. Peço desculpas inúteis: não mudam o que sou. Busco entender o novo e estranho caminhar: meu coxo, meu reto. Avanço sobre o temido, o evitado, o que não cabe, o que me revela. E vejo minas explodirem levando os que iam ao meu lado. Não arrefeço o passo, não me desvio. Não quero mais fazer ciranda com meus mortos. A propulsão da alma desconhecida me empurrando para frente como um tanque cruzando a floresta. Sem conversa, sem interpretações, sem pena das plantas no caminho. Levando no peito os cipós do "não" que não entendo. Determinada a atravessar. Ciente dos buracos com estacas que eu mesma cavei pelo terreno e cobri com folhas. E não sei mais onde. Sem me deter no magnetismo das armadilhas, sem me distrair com o mal, sendo o mal. Revendo meu coxo e descobrindo misturado nele, feito café e leite, meu maior. Sem retoque, sem volta. As pernas tortas desnudas, cambaleando, mas em marcha. As pernas coxas e feias mais amadas que a torturante imobilidade. Levada pelo sim indomável, o sim que não se entrega, o sim que não conversa mais com meus fantasmas. Na integridade do meu coxo, amo cada vez mais as minhas pernas. Hoje são pernas obstinadas de cruzar o medo. Amanhã dançarão na chuva num improvável Gene Kelly.
*
*
*
Meu Deus! Que texto genial! Que coisa mais brilhante, que movimento, que luz, que densidade!
ResponderExcluirVc é uma GRANDE escritora. Uma puta escritora. Uma escritora filhadaputaaa de maravilhosa. O Máximo. Sua altura alteza , sua altura de grande pessoa a olhar o mundo com a abrangencia que só os muito altos tem olhar de ver.
E vc está dentro do andar.
Andarilha de si, de mim.
Jamais coxa , sempre prumo, fio, rota determinada.
Eu te admiro, te amo, tenho orgulho de ser sua amiga.
Coxa e feliz da vida por aceitar os meus tropeços, depois de ler esse prêmio.
Bjsssss
Consuelo de Castro
Obrigada, Prima. Vindo de uma autora com o seu talento é um presente. Saudade muito grande de você.
Excluir