Petralhas, Tucanalhas e o Papai
Foto André Duseke |
Vamos amadurecendo no Brasil. Aos trancos. Olho para os dois
pratos da balança eleitoral com incoerências caindo pelas beiradas. Antes, me
falavam de uma falta de caminho assustadora. Refleti melhor: é um avanço.
Estamos vencendo o dilema infantil entre o bem e o mal. Ontem, achávamos que
comunista comia criancinha, hoje começamos a entender que comunistas,
ruralistas, neoliberais, sindicalistas, são capazes de, mediante circunstâncias
ou fissuras de caráter, matar uma criancinha sem atendimento numa fila do SUS.
No jogo do poder o objetivo é o poder, o resto, incluindo valores como
honestidade, compromisso, moral, respeito, são adendos manipuláveis conforme as
tais circunstâncias. Políticos (salvo honrosas exceções) são profissionais da
política e não empregados do povo. Ainda que não passem seu mandato tocando flauta, ainda que façam algo pelo povo, ainda que não sejam
propriamente bandidos. São profissionais da Política SA e trabalham de acordo
com a cartilha da empresa. E jogam o jogo. E eu não fico mais tão magoada como antes
quando sentia como se tivesse pegado o papai fazendo merda. O papai que era meu
herói e tinha de ser honesto, limpo, justo como os pais dos blockbusters
americanos da minha infância. Depois de tantos redentores fracassados, concluí
que não tem nenhum herói vindo me salvar.
Tudo bem: papai também pisava na bola e eu o amava. Temos só dois candidatos cheios de fantasmas
no armário. Alguns ectoplasmas das sombras até se sentem confortáveis pra subir
no palanque quando os marqueteiros de plantão se distraem. Um homem e uma
mulher que hoje estão em lados opostos da rinha e se arrepiam feito cachorro no
palco armado dos debates na TV: teatro muito ensaiado pelos Deuses Marqueteiros.
Pois é, homens de marketing político também não são heróis da sessão da tarde, eles estão
comprometidos com a vitória, não necessariamente com a verdade. Eles fazem
propaganda, não documentário. Eles vendem imagem, não conteúdo. É o papel
deles. Eleição é um grande circo eletrônico e você quer um candidato galã, uma
candidata heroína, uma história bonita pra poder dormir tranquilo depois do
“confirma”. Ah, eu sei, já estive lá, no marketing político. Caras de
indignação, frases de efeito, dedos em riste: amanhã,
estão tomando café juntos num restaurante bacana em Brasília. Eles entendem um
ao outro: são profissionais da política fazendo seu papel no jogo do poder. Num
Estado, fazem aliança e se abraçam, no outro, se estapeiam e se cospem na cara.
Mostrando sempre o que acham que a plateia espera, o que o Deus Ex Marketing
leu nas pesquisas e mandou mostrar. Espontaneidade totalmente proibida. Inclusive
aquela vontade de mandar você eleitor ir cagar porque a vida dele no queijinho do
poder também não é moleza, e é fácil ficar falando de honestidade quando não se
tem que negociar diariamente com todo tipo de diabo nascido e criado na Terra Brasilis pra fazer a bosta da máquina do Estado andar. Diabos votadíssimos pelo eleitor
indignado, diga-se de passagem. Brasília, meus amados, é para os fortes de
estômago. Como diria o poeta: é uma ilha, uma cidade que fabrica a própria lei,
onde se vive mais ou menos como na Disneylândia. E agora, enfim, o mal se
aboletou dos dois lados da balança. É um avanço. Por que chega uma hora que a
gente precisa amadurecer e encarar o mal: o nosso mal coletivo, não o do
cheirador de cocaína ou o da anta petralha. E assumir que é um jogo e este não
é o problema. Não somos vítimas, somos os donos do campo, da bola, do time,
somos os investidores. São 20 anos da pelota rolando e estamos longe de assistir
um jogo que preste. Este é o problema. Então, que os dois candidatos baixem a
bola e não se julgue vitorioso o eleito. Que não suba no queijinho nos braços
do povo, mas com esforço e sem alarde. Que tenha medo de nós e saiba que o
poder dele é um empréstimo nosso, não é Oscar de melhor interpretação no papel de candidato. E use esta bosta direito porque a nossa vida está foda e estamos no limite. Brinque de poderzinho com seus assessores e marqueteiros mas reserve uns minutos do dia para fazer as reformas que urgem, que berram por serem feitas nestes 20 eternos anos das nossas vidas. Estamos mais
maduros, sejamos então mais exigentes: não com o adversário, com o inimigo, mas
com o papai.
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Texto lindo! E forte! Você é demais Nanna. Serei sua fã sempre. Beijos. Cláudia
ResponderExcluirObrigada Cláudia, muito bom receber você.
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