Com a Macaca
Quem tá rindo é porque não entendeu nada. Vi outro dia numa faixa. É. Tá difícil rir e pensar ao mesmo tempo. Não estamos nos divertindo. Vamos levando. Falo de nós: a maioria. Em matéria de discursos a sociedade nunca foi tão generosa, na real é o lixo. A lógica é simples: quem pode mais come o outro, e esta frase pode ser interpretada em vários sentidos. Quem pode menos, favor procurar o incinerador mais próximo. No discurso a gente inclui todo mundo: cadeirante, cego, surdo, pobre, velho. É lindo. Mas na real o cara é o transtorno da performance. E a performance é a alma do sistema. E digamos que o sistema não foi assim uma puta invenção. Digamos, de uma forma bem simplória, que reeditamos os esquemas da selva primitiva botando grana no lugar dos músculos. Tudo bem você não ser o macaco mais musculoso desde que você tenha alguns Porshes e Ferraris, um barco gigantesco que você não usa e alguns quadros do Monet, ou Manet, pra você tanto faz. Tá combinado socialmente, você é O macaco do sistema. O cara. Mas a grande bosta é que pra você ficar empoleirado neste galho premium da árvore é preciso existir uma macacada dos infernos no limbo. Que às vezes até tá rindo porque não entendeu nada. Mas que enche o saco. Primeiro porque eles são muito feios, segundo os padrões estéticos do sistema, e são visíveis. Depois porque eles ficam doentes, perdem pedaços do corpo e vão para os semáforos pedir dinheiro no vidro do seu carro te obrigando a andar de helicóptero. Depois porque eles querem o que é seu e vão buscar. Armados. E como ratos que são, costumam passar pelo muro, pelo cachorro, pelo vigia, pelo infravermelho e tcha-naaan! lá estão eles dentro da sala da sua casa. E não é propriamente um encontro entre dois animais humanos, é o choque horrendo entre você transformado pelo sistema no Alfa, o bem vestido, o bem nutrido, o educado, o fino, e ele transformado pelo sistema num bicho sem alma, sem compaixão, monstro, ratazana malvada. Na sala você, ele, o abismo entre os dois e o revólver. Mas ele pertence ao sistema. E não adianta matar, queimar o corpo, jogar no rio: ele renasce feito o Jason no Sexta-feira 13. Ele e sua turma brotam aos milhares nos esgotos do sistema. Porque são funcionais. Eles funcionam no sistema do quem pode mais. Exemplo: quem tem um trinta e oito pode mais do que quem tem um Porshe. Lógico, simples, genial. E eu, que não tenho o trinta e oito nem o Porshe, fico neste maldito lugar chamado meio, onde moram as pessoas que não podem ser felizes porque não têm trabalho e as que não podem ser felizes porque têm que trabalhar pra caralho. Sem coragem de roubar, sem a possibilidade de casar com um velho milionário, sem sequer acreditar que posso ganhar na loteria, não rio. E tenho saudades de quando eu era uma macaca magrela pendurada na árvore.
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