Precisamos falar sobre isto

Parto, neste momento, da vontade de não viver. Sísifo, condenado, quer desistir de empurrar a maldita pedra até o topo da montanha de onde ela sempre rola. A paisagem lá fora já está pálida e fria. Não me comove mais. Viver é enorme e pesado e morrer é simples. Sento-me na borda do abismo onde o vento, no vazio, me estende os braços e nele vejo um colo para descansar. Este é o momento precioso entre o ser e o não ser. Eu nada sei disso. Estou engolida pela descrença, crivada de pensamentos ruins que preciso calar. Este é o momento precioso entre o morrer e o acordar. Eu nada sei disso. Apenas aguardo o impulso final. Sou a mais translúcida das borboletas voando mar adentro. Só vejo paz em dissolver-me no todo. Então, percebo no horizonte, no encontro entre os topos dos prédios e o céu, uma fissura. Sutil, como se fosse um minúsculo defeito na paisagem. Sim, a abóbada celeste está rachando ali. Tento voltar para o meu abismo. Não posso. Há uma fissura no céu, um defeito na perfeiçã...