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Pode Acabar

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Não é mais sobre a guerra. Nenhuma guerra. É sobre a Terra, toda a Terra. Por que não é mais sobre quem estava certo, quem ganhou, quem venceu. É sobre a espécie que sobreviveu. Não é mais sobre o dono da autoridade, quem tem o cargo pra mandar. É sobre assumir a autoria de pequenas   crueldades. É sobre a capacidade de autorizar essenciais alegrias. Não é mais sobre recursos a explorar. É sobre  a sabedoria de  recusar-se a explorar, mudar o curso. Nem é sobre a urgência de cada reciclagem. É sobre a inteligência de ouvir a mensagem vital e se curvar humildemente ao ciclo natural. Não é mais sobre o poder que nos trouxe até aqui. É sobre reinventar o poder pra seguir sem apodrecer. Não é sobre o crescer é sobre o parir. Nem sobre o ter, é sobre o sentir. É sobre consumir sem adoecer. É muito sobre o que virá e ao mesmo tempo é sobre o já, o agora. E não é sobre a dor que vem de fora, o inimigo que ameaça. É sobre se saber o predador e sempre a caça. E não é sobre ser sal...

Meio Ovo

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Nunca está bom. Sempre falta. Olho cheia de inveja para o jacaré no banco de areia no meio do rio. Plácido. Não falta nada. E quando falta é tão simples, tão reto. Mas eu caí na esparrela de vir ser humano. Um bicho cheio de receitas de ser. Para mim falta tudo. Acordo de manhã precisando beber menos, ganhar mais, encontrar o melhor corte de cabelo, fazer algum curso, meditar, respirar usando o diafragma, ser mais positiva, comer mais ovo, comer menos ovo, comer meio ovo, comer dois ovo, não errar o plural de ovo. Estou sempre errada, inadequada, devendo. Não consigo simplesmente apoiar a barriga no banco de areia e olhar o céu. A barriga que apoio no banco de areia é grande demais, é flácida, é um corpo estranho plasmado no meu abdome, um continente ou conteúdo psicanalítico que não cala e não me deixa em paz. Não sendo um jacaré, preciso evoluir sem descanso: encontrar minhas sombras, desvendar meus traumas, buscar a iluminação mas, claro, com humildade, não muita humildade que pode ...

Poder Maior

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Chegou a hora de avançar na contramão. Chegou a hora da anti-performance. Onde funciona o vídeo curto, falar devagar e encher de pausas. Onde impera o filtro, imprimir rugas e manchas. Onde a lei é o que vende, soltar borboletas inúteis. Onde negociam perfeição, seios caídos. Onde gritam superação, tombos. Onde me empurram pra frente, sentar. Onde a meta, o humano. Onde o orgulho, desculpas. Onde consumo, autoestima. Onde rede social, abraço. Onde o scroll, o livro. Onde túnel, árvore. Onde a verdade, o amor. Chegou a hora da anti-evolução. Onde o poder, o poder maior. * * *

Meu cadinho preto

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A origem da minha família mineira remonta a  uma cidadezica do interior, assombrada por conservadorismos e preconceitos, comuns às cidadezicas do interior. Terra de fazendeiros brancos, elite branca do Brasil agrário fundada sobre os alicerces da escravidão. Ali nasceu minha mãe, mulher forte talhada para as linhas de frente. Carregada dos tais preconceitos herdados, já casada e com sete filhos, já morando em Belo Horizonte, cuidou de me afastar dos pretos que moravam num cortiço do lado de casa. Lembro de mim mesma estuporada de alegria dentro de uma bacia grande de latão tomando banho com uma menininha preta. Bacia no chão, o cortiço coletivo, colorido e sonoro me abraçando, a água morninha, o sorriso muito branco da menina... Minha mãe me levando embora. Ali não mais, nunca mais. Fui carregada no colo dela olhando para trás sobre seu ombro para um mundo preto ao qual eu não pertencia. Mas carreguei o rosto redondo e brilhante da menina da bacia. Como se a água do banho tivesse p...

Vida Cachorra

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Essa cachorra não é uma cachorra É um colete salva-vidas  que coloquei Em nós quando minha filha desistiu de viver Essa cachorra nasceu mais ou menos quando  A menina decidiu partir Essa cachorra ficou maior que eu imaginava Essa cachorra parece mais perigosa do que é Essa cachorra é bruta e machuca quando quer brincar Essa cachorra pode ser feroz e violenta Principalmente quando assustada Essa cachorra me puxa para caminhos que não sei Essa cachorra é o amor ambulante, peludo,  com olhos eternamente pedintes de carinho Fazendo o ficar valer Essa cachorra não é uma cachorra É uma âncora jogada do barco da dor No oceano das possibilidades E foi chamada de Vida Como havia de ser. * * *

Manifesto do Eu Sozinho

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Eu gostava de política. Gostava da época das eleições. Já encarei votação como final de copa. Tive medo, tive raiva, tive a ilusão de que a solução mágica existia. Fui sonhadora, manifestante de carteirinha, cruzei a avenida Paulista em cima de um carro com uma bandeira do Brasil nas mãos quando ela era da esquerda. Eu era da esquerda. Assistia os debates e acompanhava os jogadores movendo suas peças no tabuleiro e achava alguns brilhantes. Não gostava de vários políticos mas gostava de política. Então trabalhei com marketing político em grandes eleições. O universo escola me levando para aulas que nunca quis e que só depois eu entenderia para que serviam.  Aprendi muito do jogo da política trabalhando nas campanhas e muito mais sobre gente, sobre mim e sobre você. Incapaz de atuar com o distanciamento necessário, não trabalhei mais no marketing político. Mas segui acompanhando os jogos, cada vez menos na torcida, cada vez mais distante do palco, do show, do circo da mídia. E vi a ...

Vale a pena?

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Vale a pena o ser humano? Vai se extinguir? Vai acabar? O planeta vai engolir? Vale a pena existir? Eu queria poder te contar que a gente vai recriar o caminho e cada um no seu sozinho vai se saber junto. Eu queria te contar que a gente não vê, mas viver não é só isso. Eu queria te acordar para o mistério onde sua grandeza dorme e esta aventura de enxergar através do pequeno. Eu queria ser algum Deus pra te fazer sonhar com todos os seres humanos o mesmo sonho onde você não se confunde com a matéria e abraça a matéria como escola. Eu queria te contar que acaba mas não acaba, então o fim não é solução e a morte faz parte do jogo como a cor dos seus olhos. Vale a pena o ser humano? Vai se extinguir? Vai acabar? O planeta vai engolir? Vale a pena existir? Eu queria não te fazer pensar mas te fazer sentir. Tudo vale se você escolher o amor pela oportunidade de jogar e escrever a história com amor mesmo na hora de acabar. * * *