Um Novo Dia

Na virada de meio século, a alma me convida a ser humilde e me apresenta outro quarto para limpar. Entulhado de vaidades, reis tirânicos, súditos hipócritas acovardados. Todos sou eu. Na virada dos cinquenta é bom já ter aprendido a decifrar a linguagem da alma. Ela fala enquanto lambe as feridas e as cicatriza. Na imaturidade, eu amaldiçoava o outro, aos cinquenta aprendi, me procuro nele. A alma fala comigo através das escolhas que faço. As mais injustificáveis são as mais cheias de significado. Lá onde não faz sentido estar, lá está todo o sentido. Na virada de um século, quando acho que vou ganhar diploma de gente, a alma me abre outro quartinho cheio de entulhos. Alma obstinada, não quer deixar nada pendurado para uma encarnação futura. Não me poupa. Não me autoriza a descansar sobre o travesseiro morno de uma alienação. Nem mesmo aos cinquenta. Encho o balde de água, me armo com caixas de papelão vazias, sacos pretos de lixo, diante da porta aberta do quartinho. Lá dentro o eg...