Até que te escolham

Magaly foi queimada viva. Não foi na Idade Média, foi ontem, em São Paulo. Ou foi na Idade Média ontem em São Paulo. Magaly cometeu a estupidez de ter apenas trinta reais em sua conta no banco. E irritou os bandidos com sua pobreza. Sentada num sofazinho simples, dentro de uma casinha simples, num bairro simples da Grande São Paulo, Magaly foi queimada viva pra aprender a ter dinheiro na conta quando o bandido vier. Enquanto Magaly gritava e se debatia e sua pele colava no plástico incandescente do sofá, há alguns quilômetros dali, eu tinha mais sorte. Um moleque enlouquecido pelo crack apenas levava meu celular sob o olhar crispado da minha filha de oito anos. Nem o moleque, nem os homens que queimaram Magaly, são mais gente. Vejo o moleque o tempo todo na janela do meu carro, a fala automática, o olhar morto, talvez uma arma na mão. Não há ninguém ali. Um zumbi de série americana que comeria o meu braço se seu objetivo fosse carne humana e não crack. Magaly ficou encurralada ...