Ilha Brasil

Estou em Brasília. Cidade plana, cidade exata, cidade sonho de pessoas que queriam fazer história. Cidade linda. Cidade limpa. Outro planeta. Brasília não é Brasil. Raros mendigos incomodam a paisagem perfeita, fotográfica. Não há cães abandonados, não há lixo esparramado. Nem sei onde andam as lixeiras de Brasília. O arquiteto pensou em tudo. Show imagético de ordem e progresso fincado no peito do país. Brasília é o Brasil que queríamos, que sonhávamos, que tentamos. Cidade contraditória, recebe em seu corpo escultural parasitas políticos de todos os cantos do país. Tipos não educados, criados para sugar. Eternos coronéis ou desfavorecidos que enfim conseguiram entrar na festa do dinheiro público. Gente pobre de espírito que se enfia num terno caro e se acha digna por conta da etiqueta do vestuário, da tabuleta na porta, da marca na bunda do carro. Jecas Tatus cívicos deslizando pelo cenário futurista. Comprando o luxo e a megalomania que o cenário inspira sem enxergar a modernidade do pensamento por trás do concreto.

Assim escreveu Lúcio Costa ao apresentar seu projeto de cidade, duvidando que fosse o escolhido, sem sequer possuir um escritório, inspirado pelo gesto singelo de quem assinala um lugar ou dele toma posse: o próprio sinal da cruz.
“Ela deve ser concebida não como simples organismo capaz de preencher satisfatoriamente e sem esforço as funções vitais próprias de uma cidade moderna qualquer, não apenas como urbs, mas como civitas, possuidora dos atributos inerentes a uma capital. E, para tanto, a condição primeira é achar-se o urbanista imbuído de uma certa dignidade e nobreza de intenção, porquanto dessa atitude fundamental decorrem a ordenação e o senso de conveniência e medida capazes de conferir ao conjunto projetado o desejável caráter monumental. Monumental não no sentido de ostentação, mas no sentido da expressão palpável, por assim dizer, consciente, daquilo que vale e significa. Cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país.”

Eu olho Brasília linda da janela do hotel, Brasília de Lúcio Costa e Niemeyer, e peço que os homens e mulheres do poder acordem para a mensagem que ela guarda, e não façam de Brasília uma ilha, mas levem Brasília para o Brasil.
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Comentários

  1. Tania,
    Caríssima amiga, distante, mas ainda querida e inesquecível.
    Vejo pelo seu texto que está começando a descobrir as verdadeiras intensões daqueles que estavam no poder e também dos que não estavam, mas a 17 anos estão.
    Qual a diferença entre eles? Dos filhos do Maluf, do Fernando Henrique e os do Lula???
    No seu texto, por sinal, maravilhoso, não deu nome aos “bois”. Por que não fazê-lo? Sabemos que não caberiam em poucas laudas, mas os principais acredito que poderia citar.
    Fico apenas curioso porque não o fez.
    Pode preencher este "buraco" que ficou em mim após ler sua crônica????
    Um grande abraço.

    Nac Ribeiro

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  2. Essa capital é realmente linda. Sou escritor brasiliense e sempre procuro inserir esta mistura cultural nas minhas narrações. Cidade inspiradora...

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    Respostas
    1. Muito bom receber aqui outro viajante das palavras. Venha sempre!

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